Suicídio entre médicos preocupam

Dados da American Foundation for Suicide Prevention indicam que, em média, 300 a 400 médicos cometem suicídio por ano em todo o mundo. No Brasil, entre os anos de 2000 a 2009, o suicídio foi a segunda maior causa de mortes entre médicos, perdendo apenas para acidentes automobilísticos. Outros estudos internacionais também apontam que os médicos se suicidam cinco vezes mais que a população geral. Entre os principais motivos estão o acesso a meios mais eficazes de letalidade, isolamento social (desde a faculdade), situação conjugal insatisfatória, e precária situação de emprego. Estudos apresentados sugerem que os anestesistas e os psiquiatras são os mais vulneráveis.

A taxa relativa de ocorrência de suicídio entre médicos do sexo masculino em comparação com a população em geral é de 1,41, enquanto entre médicas do sexo feminino esta proporção atinge os 2,27, o que revela dados contrastantes com os da população geral, que conta com maiores taxas de suicídio entre homens quando comparados às mulheres

Fomos ouvir o Dr. Arthur H. Danila, médico formado pela Faculdade de Medicina da USP com residência médica em psiquiatria pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP, que atua na área de psiquiatria clínica e psicoterapia, em São Paulo.

Dr. Arthur, por que esse número de suicídios entre os médicos?

As circunstâncias que levam os médicos ao suicídio são, na maior parte das vezes, quadros depressivos, que podem estar associados ao abuso de álcool ou outras drogas. O uso de substâncias psicoativas afetou de 20% a 40% dos médicos que se suicidaram. O stress diário da profissão, a relação muito perto com a morte e condições não adequadas nos locais de trabalho, contribuem para o ato.  Sabemos que os médicos trabalham com grandes responsabilidades, como a vida das pessoas. Desde a faculdade, o contato com a doença exige maturidade e isso é difícil de ser compreendido por muitos. Entre os alunos de medicina, o grupo de alto risco para adoecimento mental se concentra naqueles que demonstram melhor performance escolar, são mais exigentes, têm pouca tolerância a falhas, sentem mais culpa pelo que não sabem e ficam paralisados pelo medo de errar.

Isso provoca uma certa fragilidade na saúde mental dos médicos?

Com as transformações sociais e a prevaricação das relações trabalhistas na medicina, além da crescente vertente individualista no ambiente de trabalho, a saúde mental do médico tem se tornado mais frágil. Quer seja pela sua característica de profissão liberal, quer seja ao trabalhar em locais que oferecem pouca estrutura para o profissional – que muitas vezes nem é diretamente contratado pelo serviço onde atua – por vezes o médico não conta com assistência em saúde, muito menos em saúde mental. Ainda, mesmo que conte com auxílio da medicina do trabalho, o médico tende a procurar menos ajuda, entre outros fatores, pela sobrecarga de trabalho que impede ao acesso deste serviço, e pelo medo de ser identificado entre seus pares como vulnerável e fraco, ou por sentimentos como onipotência e vergonha, fazendo com que muitos profissionais recorram à automedicação.

Não seria o caso de os médicos buscarem ajuda profissional para se adaptarem a esse ambiente hostil para a sua saúde?

Quando comparados com a população geral, os médicos desenvolvem padrões adaptativos inadequados diante da ocorrência de alguma doença. Se ausentam do trabalho menos vezes, ao trabalhar mesmo em condições de saúde impróprias, auto prescrever ou buscar auxílio informal a colegas ao invés de agendar uma consulta formal. Há muitos obstáculos ao agendamento de uma consulta: encontrar um horário, confidencialidade e, o mais importante, a noção de que o reconhecimento de uma doença é sinal de fraqueza. Poucos médicos tem um clínico geral ou médico da família de referência, e a maioria não tem ideia clara do papel do Serviço de Saúde Ocupacional no auxílio de doenças relacionadas ao trabalho. Este cenário é visto como inapropriado, especialmente em casos de doença mental.

Sabemos que existem poucos estudos em quantidade e consistência que objetivem a análise dos determinantes de saúde mental dessa população.  Na sua experiência quais são os problemas mais frequentes entre os médicos?

Classicamente, os problemas de saúde mental mais frequentes entre a população médica são a síndrome de burnout, depressão – inclusive com alta prevalência de ideação, planejamento e ato suicida –, ansiedade, transtornos relacionados ao estresse e ao uso de substâncias. Um estudo desenvolvido no sistema de saúde público do Reino Unido, com mais de 11.000 entrevistados, mostrou que 26,8% dos trabalhadores dos serviços de saúde – com destaque para médicos, enfermeiros e gestores – relataram níveis significativamente maiores de transtornos psiquiátricos comuns, em comparação com 17,8% das pessoas da população geral.

O que o sr. senhor diria aos seus colegas médicos do trabalho sobre esse assunto tão importante?

Lidar com vidas é um ofício árduo, por nos exigir tolerar níveis cada vez maiores de tensões e de frustrações, por isso devemos pensar constantemente no nosso próprio cuidado, antes de qualquer coisa. Mesmo que alcancemos um nível intelectual muito grande, podemos ainda assim ser emocionalmente frágeis, precisando de ajuda externa para nos trazer à tona nossos próprios pontos cegos. Reconhecer esta limitação e buscar seguimento apropriado pode fazer toda diferença para o profissional e todos à sua volta.

Temos que repensar o estímulo subliminar para o estoicismo, distanciamento emocional e impermeabilidade ao adoecimento psíquico na população médica. Se isto é um fenômeno cultural desenvolvido durante a graduação ou residência médica, ou simplesmente devido à pressão do trabalho e à falta de estrutura para abordagem física e psíquica dos médicos, há que se priorizar essa discussão. Não fazer isso é colocar em risco a saúde dos próprios médicos, o bem-estar de seus colegas e familiares e, sobretudo, o cuidado ao paciente.

 

Dr. Arthur H. Danila é médico formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) com Residência Médica em Psiquiatria pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP). É especialista em Psiquiatria pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Membro da Câmara Técnica de Psiquiatria do Conselho Federal de Medicina (CFM) e Membro da Câmara Temática Interdisciplinar sobre Violência nas Escolas Médicas do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP). Atua como Médico Preceptor do Programa de Residência Médica de Psiquiatria do Departamento de Psiquiatria do HCFMUSP.

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