A exposição ocupacional a ruídos superiores a 80 dB(A) (ou 85 dB de acordo com a NR-15, anexo I) continua sendo uma das principais causas de Perda Auditiva Induzida por Ruído Ocupacional (PAIR) no Brasil, mesmo com a utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e Programas de Conservação Auditiva (PCA). Embora os EPIs reduzam significativamente a intensidade sonora percebida, diversos estudos recentes demonstram que essa proteção não é absoluta.
Sob a ótica da Medicina do Trabalho, a NR-07 estabelece que trabalhadores expostos a ruído devem ser submetidos a avaliações audiológicas periódicas, sendo a audiometria tonal o principal instrumento de vigilância auditiva. A ausência de alteração auditiva ao longo dos anos pode ser indicativa de controle eficaz do risco — mas não garante sua eliminação.
Estudos nacionais, como o publicado na Revista Brasileira de Otorrinolaringologia (Martins et al., 2023), revelam prevalência significativa de alterações audiométricas em trabalhadores que relatavam uso de EPI. A despeito da proteção fornecida, mais de 40% apresentaram entalhe típico de PAIR. Sendo assim, conclui-se que o EPI reduz, mas não zera o risco.
A eficácia do EPI depende de diversos fatores clínicos e técnicos: anatomia do conduto auditivo, modo de inserção, treinamento, fadiga ao uso e variabilidade entre turnos. Métodos como o fit-test ou a técnica MIRE permitem medir a real atenuação obtida por cada indivíduo, mas sua aplicação ainda é restrita a ambientes que investem em controle técnico apurado. O PCA, por sua vez, deve envolver não apenas fornecimento de EPI, mas também monitoramento auditivo periódico, ajustes de postos de trabalho, intervenções médicas e capacitação contínua. Um PCA inefetivo pode mascarar a permanência de um risco invisível.
No campo legal, a questão se complica. O Supremo Tribunal Federal, ao fixar o Tema 555 (2014), estabeleceu que, para fins de aposentadoria especial, o uso de EPI não descaracteriza a exposição nociva ao ruído. Ainda que essa decisão tenha aplicação previdenciária, parte da jurisprudência trabalhista adota entendimento semelhante: é necessário mais que a entrega do EPI — é preciso comprovação de sua eficácia na prática.
Em contraponto, há entendimentos mais recentes, como o da 4ª Turma do TST (2025), que reconhecem a possibilidade de exclusão do adicional de insalubridade com base no art. 194 da CLT, caso se comprove tecnicamente a neutralização do agente. Isso exige laudos técnicos precisos e demonstração médica de que não há agravo auditivo, o que só pode ser afirmado por meio de séries históricas de exames audiométricos válidos e comparáveis. Logo, a mera entrega de EPI, sem comprovação técnica e médica de eficácia prática, não basta para isentar a empresa do pagamento do adicional.
Conclui-se que, do ponto de vista da Medicina do Trabalho, a exclusão da insalubridade por ruído só é justificável quando há vigilância efetiva, ausência de perdas auditivas ao longo do tempo e comprovação científica da atenuação individual dos EPIs utilizados para níveis de pressão sonora seguros. Do contrário, o deve-se considerar o risco como clinicamente presente, mesmo que atenuado.
Artigo por: Dr. Diego Toniolo do Prado
Médico do Trabalho e Otorrinolaringologista pelo HC-FMUSP
Médico formado na Faculdade de Medicina de Jundiaí em 2010, com residência médica em Otorrinolaringologia pelo HCFMUSP em 2017
Ruído Ocupacional, EPI e PCA: A Insalubridade Pode Ser Tecnicamente Eliminada?