Tempos de Pandemia e a valorização do Médico do Trabalho

Com a Capital tomando a dianteira da fase 3-amarela no Estado desde o dia 29 de junho, o Governo do Estado não só liberou a abertura de bares, restaurante e salões de beleza,  como também revisou o Plano São Paulo de modo a que Academias, Cinemas, Teatros e Salas de Espetáculos, que estavam previstos para retomarem suas atividades apenas na fase 4-verde, passem a integrar a fase 3-amarela.

Certamente as medidas para a abertura de todos esses locais ao público ocorrem na dependência de diversas restrições de horários e de adequações dos espaços físicos, visando à não propagação do vírus entre trabalhadores e frequentadores.

O desafio é permitir a abertura desses locais, aumentando consideravelmente a circulação de pessoas, sem que ocorra um pico de novos casos de Covid-19 e o retorno para as fases anteriores 2-laranja e 1-vermelha, as quais se tornaram sinônimos de restrição.

O chamado “novo normal” trouxe ao Médico do Trabalho demandas até então inesperadas que mudaram o seu dia a dia. O enfoque em Ergonomia, Nexo Causal e Capacidade Laboral deixaram seus protagonismos por um momento e abriram espaço para novas preocupações e abordagens.

Não falo aqui dos afastamentos por 14 dias e nem mesmo dos critérios de retorno ao trabalho após diagnóstico de Covid-19, mas sim do apelo feito pelas empresas e RHs sobre como proceder nas adaptações do ambiente de trabalho.

Definitivamente as orientações sobre o uso de máscaras têm sido o mais simples desses novos desafios.

Os questionamentos são novos e com listagem que beira o infinito: disposição de mobiliários; possibilidade de retorno ao ambiente de trabalho; rodízio de funcionários; ventilação natural e ar condicionado; aglomeração em copas e refeitórios; modelos de termômetros; questionários diários de saúde; produtos sanitizantes; e, até mesmo, restrições em decorrência da profissão de familiares dos funcionários.

Nos deparamos também com questões que colocam em dúvida medidas anteriormente tomadas, que pareciam ser um avanço tecnológico e de mentalidade, como a substituição de cartões de ponto por leitores biométricos e a retirada de copos descartáveis que antes ficavam em suportes nas paredes, providencialmente posicionados ao lado dos filtros e bebedores.

A busca diária na imprensa sobre número de casos, lotação de leitos de UTI no Município, fases de confinamento, Medidas Provisórias e protocolos de categorias de classe exigem hoje do médico do trabalho a dedicação de pelo menos algumas horas diárias.

Essa nova demanda chegou tanto para o médico contratado de uma grande empresa, quanto para o médico do trabalho que atua como prestador de serviço dentro de uma empresa de Assessoria Médica Ocupacional, sendo que estes ainda têm a preocupação de pesquisar tudo para diferentes ramos de atividade.

A responsabilidade e a exigência de uma visão holística abalaram a zona de conforto de muitos profissionais que realizavam seu trabalho “de olhos fechados”.

Em contrapartida, estamos vivenciando um período de extrema valorização do profissional bem preparado. Arrisco dizer que não houve momento anterior em que o papel do Médico do Trabalho e de todo o SESMT tenha sido tão valorizado aos olhos empresariais.

Chegamos ao momento de virada de mentalidade, em que o departamento médico das empresas finalmente deixa de ser considerado um custo e, não só passa a ser um investimento, como ainda adquire a desejada voz ativa na tomada de decisões e estruturação de toda a frente de trabalho.

Foram longas as argumentações de muitos profissionais médicos em salas de reuniões de empresas sobre o real papel desse profissional e sobre a possível melhoria de produtividade das empresas diante de um SESMT atuante.

A Medicina do Trabalho que sempre teve uma abordagem singular, quando comparada a outras especialidades médicas, não poderia nesse momento agir de forma diferente: o nosso olhar para o paciente é outro e sempre incluiu a análise do ambiente de trabalho e todas as suas repercussões. Em tempos de pandemia a nossa linha de frente não poderia ser a mesma das outras especialidades: ela extrapola o indivíduo e invade o seu local de trabalho. Ela previne os riscos e proporciona condições para o novo futuro.

Não é tempo de desanimar com os novos desafios, mas de injetar ânimo para colocar em prática toda a nossa capacidade de atuar de forma ampla, de modo a melhorar as condições de trabalho. É hora de acolher o trabalhador e conduzir as mudanças que estão por vir.

Há muito tempo esperávamos por essa conscientização e valorização, só não imaginávamos que os louros do Médico do Trabalho seriam trazidos por um vírus.

 

 

Nidhâna Claudino

Sócia diretora da CME Medicina e Segurança do Trabalho
Médica do Trabalho e Perita Assistente em processos trabalhistas.
nidhana@cme-medicina.com.br

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