Entre 21 a 23 de agosto de 2019, ocorreu o 10º Colóquio Internacional de Psicodinâmica e Psicopatologia do Trabalho, na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.
A Associação Paulista de Medicina do Trabalho esteve presente e conseguiu uma entrevista, exclusiva, intermediada pelo Prof. Dr. Laerte Idal Sznelwar, com o “Pai da Psicodinâmica do Trabalho”, o Prof. Dr. Christophe Dejours, Médico do Trabalho, Psiquiatra, Psicanalista, e Professor no Conservatoire National dês Arts et Métiers (CNAM) de Paris.
Iremos publicar uma série em nosso Boletim APMT, com uma resenha da entrevista. Serão 4 publicações, sendo a primeira delas abordando a questão do Suicídio entre Médicos e Médicos Residentes, que é congruente com o Setembro Amarelo, mês da Prevenção do Suicídio.
Nosso primeiro questionamento foi devido ao fato de, no Brasil, estarem ocorrendo constantes suicídios entre Médicos, principalmente entre os Médicos Residentes. E é provavel que possam estar relacionados a alguns problemas como jornadas extenuantes, baixo suporte Institucional e assédio moral.
O que poderia ser feito para que este cenário seja prevenido ou combatido?
O Prof. Dr. Dejours colocou que a primeira ação é tentar entender por que existem estes suicídios. Antigamente estes suicídios não eram frequentes em estudantes de Medicina; ele se recorda que apenas vivenciou esta situação quando estava se especializando em Psiquiatria, acometendo psiquiatras, mas que , naquela época, esses suicídios tinham um fator ou uma situação específica relacionada.
No entanto, atualmente, estes suicídios estão surgindo entre jovens, e, antes de procurarmos soluções, devemos entender o que está acontecendo.
O Professor indaga como jovens que são tão motivados, dedicados arduamente ao seu trabalho, que estão investimento em si profissionalmente e almejam ser médicos, se suicidam? Ele não sabe dizer sobre o que ocorre no Brasil, mas poderá nos falar sobre algumas questões que são verificadas na França, pois é o lugar onde ele vive e estudou.
Ele refere que houve uma transformação muito importante no trabalho dos estudantes de Medicina e dos Médicos Residentes. Um ponto relevante foi que, antigamente, os Hospitais, inclusive os Hospitais Universitários, eram administrados por Médicos. Eles tinham capacitação como Gestores/Administradores, mas eram pessoas com formação em Medicina, que consideravam e atuavam de acordo com a Ética Médica.
Hoje a Administração Hospitalar não é mais realizada por Médicos. Consequentemente, o foco desta Gestão não é mais a qualidade do trabalho, mas objetivam alcançar metas, agir pensando no lucro, manter o orçamento etc. Portanto, é um sistema completamente financeiro e que tem um enorme impacto no dia-a-dia dos estudantes.
O Prof. comenta, também, que os jovens que estão iniciando a carreira Médica, podem ser, algumas vezes, explorados, no sentido de trabalharem de maneira extenuante. Pois há uma certa hierarquia profissional, e , com o passar do tempo, os profissionais que adquirem experiência, selecionam as atividades que exercem e passam as atividades mais burocráticas, administrativas, de inserção de dados em sistemas informatizados para os que estão iniciando a formação/especialização. Há, então, o distanciamento do aprendizado e da prática clínica por parte destes jovens, que podem ter a impressão que não estão aprendendo Medicina, mas, apenas a manipular sistemas informatizados e preencherem dados cobrados pelos Gestores dos Hospitais.
Mas, mesmo os que tem um pouco mais experiência, aparentam não conseguirem se aprofundar no trabalho Médico, pois ,também necessitam do uso constante do computador. E existe um certo envolvimento, uma parcela de responsabilidade das Chefias, pois eles são capazes de identificar que os residentes passam muito tempo nos computadores e têm pouco tempo para se dedicar em aprender a prática Médica.
O Professor destaca que uma das queixas mais importantes na França é o fato de não terem tempo para aprender. Consequentemente, eles não têm tempo para dar uma boa assistência, para escutar os pacientes. Entretanto, eles escolheram a Medicina porque almejavam ajudar as pessoas; que estariam a serviço dos pacientes, e não é isso o que eles fazem. Eles precisam ser ágeis, trabalhar cada vez mais rápido para concluir as atividades. Ressaltando-se ainda que lidam com uma hierarquia Médica ligada a um sistema gerencial cruel. Este é um dos grandes problemas.
Mas, mesmo aqueles que estão nos altos cargos da hierarquia Médica, estão sob a pressão dos Gestores. E essa pressão parece ser ainda mais severa. Refere o Professor,que esta pressão vai passando para cada nível da hierarquia de modo que quem está na posição de poder pressiona quem está logo abaixo, que por sua vez fará o mesmo a quem está abaixo dele. De forma que, efetivamente, se desenvolvem os mecanismos de assédio moral.
Há, portanto, uma dificuldade relacionada à Gestão Hospitalar e isso é um problema que exige uma ação racional a ser tomada. É necessário encontrar uma forma de atenuar o poder gerencial. Nunca poderemos ter um pouco de paz, um pouco de bem-estar e prazer no trabalho ,se não reequilibrarmos o poder entre a referência Deontológica Médica, a Profissão Médica e o reporte à Gestão. Isso, no final é inevitável. O Professor refere que, como Médico, e atuando neste formato de sistema, não pode se abster de certo envolvimento, pois parece que há uma certa conivência por parte dos Professores das Faculdades de Medicina.
Ele pontua ,também, que o modelo de avaliações aplicados aos estudantes de Medicina, contribuem com a situação;são questões de múltipla escolha, pelas quais os Professores da Universidade são responsáveis. É importante pensar porque são aplicadas provas neste formato, pois a Medicina não é uma questão de múltipla escolha. Medicina é pensar, dedicar um tempo para pensar, é uma prática. E uma prática que vem se instituindo de racionalidade, que é chamada de racionalidade da ação. É uma ação, a Medicina, no nobre sentido desta palavra. Ação que passa por deliberação e decisões. “Não é… tec tec tec e pronto.”
O Prof. coloca que muitos Médicos, incluindo Professores e Chefes de Departamento estão envolvidos na padronização do cuidado;eles aceitam estes protocolos. Mas, destaca que um bom tratamento Médico ,obviamente não é um tratamento padrão. Ele exemplifica que se tiver dois diabéticos, não há motivos para tratar os dois da mesma maneira. Um bom médico, é aquele que estuda o paciente … “ele é jovem, é um garoto de dezoito anos, tem boa forma física, ele pertence a tais…” existe uma certa maneira para prescrever insulina, controle da glicemia, orientação quanto a exercícios e dieta alimentar. Em contrapartida se “Ele é idoso, tem outras comorbidades, vem do Nordeste, somente entende metade do que eu digo”, não podemos tratá-los da mesma maneira, é preciso considerar as particularidades de cada caso. Entretanto atualmente o sistema Médico, devido à cobrança dos Gestores, tem uma padronização dos métodos operacionais. Padronização do cuidado. O que ele considera uma “Anti-Medicina”.
Ele questiona ,então, o porquê dos Chefes de Departamento e Professores Universitários aceitarem isso; parece até mesmo haver algum grau de colaboração com as essas atitudes que deveriam ser condenadas. Conclui que a prevenção do suicídio entre os jovens envolve questões bastante graves. Primeiro, será necessário reequilibrar as relações entre a Medicina, a Arte Médica, a Deontologia Médica com à Gestão. Segundo, é necessário recompor a Profissão Médica, relacionada à racionalidade da ação, à racionalidade da prática Médica e, portanto, é necessário fazer uma profunda reflexão. Além disso, devem ser analisados os Professores da Faculdade de Medicina, pois considera que são responsáveis, corresponsáveis por esta situação dos suicídios dos Residentes, referindo-se a França. Finaliza que talvez, no Brasil, possa não serem aplicáveis estas colocações.
Resenha produzida por Alexander Buarque e Flávia Almeida