O uso da telemedicina como necessidade de assistência remota é mais antigo quanto pode se parecer. A primeira transmissão de um eletrocardiograma fora no final do século 19 e na década de 60 o seu uso já era presente na medicina aeroespacial para assistência de aeronautas em estações espaciais verificando as repercussões deste novo ambiente “laboral”. Mais próximo ainda, o uso assistencial da telerradiologia ou em situações como dentro de um voo intercontinental ou de longa duração.
Isto demonstra que além de estar tão presente em nossas vidas, ela surgiu da pertinência de 4 elementos importantes: seu propósito para fornecer suporte clínico, de superar barreiras geográficas, conectar usuários que não estão no mesmo local físico com o uso de vários tipos de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) com objetivo final de melhorar os resultados de saúde.
Existem pelo menos uma centena de definições para o termo telemedicina e reconhecendo a telemedicina como uma aposta para levar saúde e medicina aos lugares pais distantes do planeta há várias décadas, a Organização Mundial da Saúde adotou uma descrição ampla:
“A prestação de serviços de saúde, onde a distância é um fator crítico, por todos os profissionais de saúde usando tecnologias de informação e comunicação para a troca de informações válidas para diagnóstico, tratamento e prevenção de doenças e lesões, pesquisa e avaliação, e para a educação continuada dos prestadores de cuidados de saúde, tudo no interesse de avançar na saúde de indivíduos e suas comunidades”
No Brasil, o Conselho Federal de Medicina (CFM) definiu em seu código de Ética Médica que “o atendimento médico a distância, nos moldes da telemedicina ou de outro método, dar-se-á sob regulamentação do Conselho Federal de Medicina. Porém, nos vemos diante de normatização da telemedicina pelo Conselho Federal de Medicina regulamentada a 18 anos. Tempos que inclusive os smartphones sequer existiam. Uma tentativa de avanço em 2018, teve grande resistência por partes dos médicos e logo em seguida fora revogada.
Questões relativas à confidencialidade, dignidade e privacidade são de preocupação ética no que diz respeito ao uso de TIC na telemedicina. É imprescindível que a telemedicina seja implementada de forma equitativa e dentro dos melhores padrões éticos para manter a dignidade (estamos falando de transmissão de informações médicas, imagens e vídeos) de todos os pacientes. Não é possível que diferenças no nível educacional, dificuldades de linguagem, localização geográfica, capacidade física e mental, idade, e o sexo, bem como a dificuldade de interação com os meios sociotécnicos levem à marginalização do cuidado.
Mesmo assim, é imperioso corrigir os atrasos do tempo, já que a prática já possui benefícios estabelecidos na ciência e a sua regulamentação é urgente já que é amplamente praticada e permite corrigir as distorções e equívocos de entendimento da sociedade e classe médica. Colocar em pauta a telemedicina é colocar o paciente no centro desta discussão. Ele sempre foi e deve ser o fator primordial da assistência e como tal pensarmos que a telemedicina tem muito a nos proporcionar positivamente no desfecho clínico dos pacientes.
Isto deve permitir também que os médicos possam se qualificar com segurança e entender os comprometimentos ético-jurídico dos seus atos e conhecer quais tecnologias permitem a segurança de informação, atendimento a nova Lei Geral de Proteção de Dados e de sigilo médico, infraestruturas tecnológicas digitais e de inovação envolvidas.
A ética no atendimento remoto
É dever do médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente e da sociedade. Os conselhos regionais de medicina quando concedem nosso registro, habilita-nos a atuar como médicos e proceder os mais amplos procedimentos da medicina. Porém, o médico deve ter clara compreensão dos seus limites tanto de competência em determinada área específica da medicina, bem como dos recursos disponíveis.
É absolutamente possível transpor este conceito dos limites de qualquer método, em tese a telemedicina, para a investigação clínica do paciente. Sempre que o exame direto ao paciente limita a atuação médica, não impede o adequado aconselhamento ou mesmo direcionamento do paciente para o atendimento presencial.
Atualmente já existem disponíveis estudos de revisão sistemática com evidências de categoria A e B quanto ao desfecho clínico no cuidado e no monitoramento de pacientes com condições crônicas, no aconselhamento e comunicação de pacientes crônicos, no uso de psicoterapia e TCC, aconselhamento em diversas condições clínicas e seu atendimento e no cuidado materno infantil etc.
Além disto, é de desconhecimento de muitos médicos que o exame físico pode ser realizado à distância por meio de inspeção visual, seja pela imagem dinâmica e síncrona por meio do uso de câmera ou análise de imagens para verificação de detalhes específicos. A auto palpação como recurso pela descrição de equivalência de consistência de áreas com tumoração ou gânglios de região adjacente a uma lesão e mesmo manobras podem ser executadas. Também, pela intermediação por dispositivos conectados: “relógios inteligentes”, aparelhos de pressão, oxímetros de pulso, sensores de glicemia, termômetros até mesmo estimuladores cerebrais ou de ritmo cardíaco conectados ao smartphone do próprio paciente.
A atuação do médico é pautada já no código de ética médica e deve ser exercida com a utilização dos meios técnicos e científicos disponíveis que visem aos melhores resultados e deve levar em consideração sua experiência e capacidade profissional, o tempo a ser dedicado ao paciente sem que isto venha prejudicar seu trabalho.
O médico não deve deixar de usar todos os meios disponíveis de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente. Falhamos quando um paciente busca tratamento de algo que lhe causa sofrimento e deixamos de aconselhar.
Por fim, não podemos deixar de tomar em conta que o atendimento remoto mesmo que como forma de orientação, não deve ensejar a redução da remuneração do médico, já que ela não altera a responsabilidade no cuidado do paciente.
Conclusão
Para a OMS, o progresso da telemedicina pode ser mais bem medido quando os marcos legais são introduzidos, políticas de telemedicina são desenvolvidas, mais recursos humanos são treinados, recursos de financiamento são destinados e planos de longo prazo são programados.
No entanto, a telemedicina, deve lidar com muitas considerações legais e éticas, especialmente na área de privacidade do paciente e confidencialidade como já dito anteriormente. Seus limites não devem ser ultrapassados justamente por prejudicar seu comprometimento com o desfecho clínico dos pacientes. Em países com a imensidão territorial e com tantas diferenças sociais como o Brasil estas questões tornaram-se ainda mais proeminentes.
Por isto, devemos pensar além do prescrito, e lembrar que ética se aproxima mais do conhecimento técnico-científico que das normas e regulamentações. E é isto que nos leva a um lugar a diante muito melhor para o nosso paciente que os paradigmas que nos prende às limitações do passado. Precisamos contribuir para um futuro onde os avanços tecnológicos cheguem aos pacientes nos lugares mais distantes, com ética, de forma inclusiva com maior segurança possível e trazendo o melhor desfecho possível.
REFERÊNCIAS
Organização Mundial de Saúde (OMS) – Telemedicine: opportunities and developments in Member States: report on the second global survey on eHealth 2009.
Conselho Federal de Medicina (CFM – Brasil). Código de Ética Médica – Resolução CFM n° 2.217, de 27 de setembro de 2018, modificada pelas Resoluções CFM nº 2.222/2018 e 2.226/2019 Resolução , 2018.
Conselho Federal de Medicina (CFM – Brasil). Resolução CFM nº 2.227/2018 – Revogada.
Conselho Federal de Medicina (CFM – Brasil). Resolução CFM nº 1.643/2002.
Wen, C. L. – Telemedicina – Saúde 5.0. Apresentação. 2020.