A organização deve garantir que o PCMSO contenha os critérios de interpretação e planejamento das condutas relacionadas aos achados dos exames médicos
Isoladamente, a alínea “c” do item 7.5.4 do novo PCMSO, redação que dá título a esse texto, tem o potencial de ser um grande divisor de águas na construção dos programas médicos que visam garantir a saúde e evitar doença nos trabalhadores de uma empresa. Sozinha, essa alínea traz a obrigação formal da empresa apresentar em seu PCMSO os protocolos de condutas médicas para os desfechos tanto dos exames clínicos como dos exames complementares.
Um dos desfechos possíveis, o mais óbvio, é a normalidade dos exames que concluirá pela aptidão para o trabalho.
O outro resultado possível é a alteração dos exames complementares ou do exame físico. E aí, o que deve ser feito? O que deve ser escrito no PCMSO? Será que o médico ficará muito exposto colocando seus protocolos de saúde a vista para diversos órgão fiscalizatórios? Essa exposição trará implicações legais para o médico do trabalho responsável pelo PCMSO? E a empresa, ficará mais exposta? Um protocolo não seguido implicará em responsabilidade direta e objetiva da empresa? Como ficam os trabalhadores, estarão mais protegidos? Todos os protocolos terão caráter de proteção da saúde ou terão caráter de selecionador de pessoal? Quantas dúvidas!
Antes de fazermos um exercício de reflexão sobre algumas, já que não tenho resposta para todas, das questões acima é importante lembrarmos que diversos são os fatores que fazem uma norma alcançar o seu objetivo. Não é possível creditar a uma alínea isoladamente um aumento de qualidade em um Programa que, por décadas, vem se pautando mais por um caráter cartorial do que por sua função essencial de proteção da saúde do trabalhador. De nossa parte temos que nos perguntar o que podemos fazer para que esse novo arcabouço normativo iniciado como o Gerenciamento de Riscos Ocupacionais traga efetivo impacto na prevenção de doenças e promoção de saúde dentro dos ambientes laborais e atuarmos proativamente com uma cultura prevencionista para que isso ocorra.
Com o objetivo de prevenção ativado, podemos dividir as questões suscitadas anteriormente em três grupos que se interagem o tempo todo. No primeiro temos as questões relacionadas com o exercício da profissão médica, o segundo seria a responsabilidade da empresa sobre os protocolos estabelecidos do ponto de vista técnico e, por fim, os impactos dos protocolos para os trabalhadores.
Juntamente com a descrição comparativa entre os relatórios analíticos de anos consecutivos, a inclusão dos critérios de interpretação e planejamento de condutas frente aos achados de exames, trará um aumento de responsabilidade para o médico do trabalho que faz a gestão do PCMSO. Detalhando os critérios de interpretação de exames ficará mais claro o que é considerado dentro dos parâmetros aceitáveis e o que está fora, trazendo ao processo médico a possibilidade de auditoria, de investigação de desvios de condutas frente aos exames e de responsabilização direta pela não observância de tais diretrizes. Nesse sentido, os critérios precisam ser claros, baseados em evidências científicas e reprodutíveis em diferentes realidades ao redor de um país que é continental. Será um grande desafio técnico para os médicos do trabalho. Este desafio partirá de como fazer avaliação física de um trabalhador, até quais serão os padrões psicossociais que podem ser aceitos para uma determinada atividade. No campo dos exames complementares teremos desde os critérios de interpretação de uma audiometria até os parâmetros da OIT para leitura radiológica, não esquecendo de todas as nuances envolvendo produtos químicos com seus marcadores com e sem significado clínico. Poucos são os itens da Nova NR7 que isoladamente trarão tanta relevância para o médico do trabalho como este.
O outro elo dessa corrente é o trabalhador. O trabalhador, ponto central da nossa atuação como médicos que somos, não pode ser selecionado, discriminado ou impedido de exercer sua profissão através de nenhum critério presente no PCMSO, por isso o item 7.3.2.2 diz: o PCMSO não deve ter caráter de seleção de pessoal. Pelo contrário, os protocolos de interpretação e conduta devem garantir maior transparência no processo tão difícil de avaliação de capacidade laboral. Devem garantir a boa técnica se pautando nas evidências, mas também deve permitir a avaliação individualizada de cada trabalhador para seu posto de trabalho específico. Não podem desprezar o princípio máximo da ergonomia que é sempre adaptar o trabalho ao trabalhador e nunca o contrário.
As empresas também serão afetadas com essa nova redação. Um ponto importante é que o dever de garantir esses protocolos de saúde dentro do PCMSO não é em si do médico do trabalho, mas sim da empresa, então é a empresa que deve se preocupar em ter ao seu lado um bom médico do trabalho (ou empresa prestadora de serviços de medicina ocupacional) para que os protocolos inseridos sejam os melhores e os mais corretos, porque a comparação entre o que foi feito e o que deveria ter sido feito será muito facilitada com esta obrigação. Um exemplo, na proteção da saúde mental dos trabalhadores de um hospital, atividade sabidamente de grande carga emocional, deve existir ferramentas capazes de identificar transtornos mentais relacionados ao trabalho. Essas ferramentas devem ter critérios de interpretação definidos pelo PCMSO, assim como todo o segmento do trabalhador que foi identificado com algum dano mental. Poderá ser feito, por exemplo, agrupamentos patológicos, encaminhamentos diferentes para patologias de causas distintas, critérios para reavaliação do trabalhador e critérios para seu retorno ao trabalho. O cumprimento ou não de tudo isso poderá afastar ou definir a culpa da empresa no processo de adoecimento de seu trabalhador. A definição de culpa ou dolo, indispensáveis para a responsabilização civil e dever indenizatório, de uma empresa poderá ser parcialmente aferida através desses protocolos.
Finalizo reafirmando que esta alínea traz maior responsabilidade para o médico do trabalho responsável pelo PCMSO, o que também trará maior destaque e protagonismo. Esta é a hora de agarrarmos essa oportunidade e desenvolver um PCMSO extremamente técnico, individualizado e que tenha como objetivo principal a prevenção de doenças e a promoção da saúde de todos os nossos trabalhadores.
(Os artigos publicados refletem a opinião do autor)
Dr. Rodrigo Camargo. Diretor Técnico da Ziviti. Médico do Trabalho. Especialista em Medicina Legal e Perícia Médica. Mestre em Gestão de Saúde. Membro do comitê de revisão e elaboração da NR1, NR7, NR17, NR18 e NR32