A arte da escuta
“A medicina acontece no encontro entre duas pessoas.
Não é uma doença perante um técnico, mas um doente
perante um profissional de saúde que confere identidade
própria ao exercício da medicina.” (Ética Aplicada à
Saúde – Maria do Céu Patrão Neves e Jorge Soares)
Neste mês do Setembro Amarelo, momento em que as discussões sobre saúde mental se faz simbolicamente demarcada, o exercício da escuta clínica que favorece a criação de um ambiente de acolhimento, se revela ainda mais necessária. E nós, médicos e médicas do trabalho, podemos contribuir no desenvolvimento de um ambiente favorável ao acolhimento e com isso transformar a nossa prática médica e ressignificar nossa especialidade.
A escuta é uma habilidade que desenvolvemos ao longo da pratica médica. Todavia, uma escuta genuinamente engajada, aquela que nos coloca ao mesmo tempo próximo e distante do outro, aquela escuta que mobiliza do corpo do médico(a) em sua plenitude exige uma abertura à experimentação. Esse tipo de escuta possui como alicerce primordial a ideia de compreender o outro em sua singularidade, é escutar aquilo que o outro tem realmente a dizer e não aquilo que gostaríamos de ouvir ou que seria mais agradável de ouvir.
Nesse entendimento, a escuta ultrapassa a mera simpatia, ela cria um ambiente propício para a empatia, estabelecendo uma relação de acolhimento que se constitui tanto nos momentos de silencio quanto pela troca de palavras. Rubem Alves descreve em seu livro O Médico, a sensação que o desperta a primeira vez em que viu a pintura em óleo “o médico”. Em suas reflexões Rubem Alves escreve: “amamos o médico não pelo seu saber, não pelo seu poder, mas pela solidariedade que se revela na sua espera meditativa”.
Aqui, nos deparamos com um elemento central da escuta genuinamente engajada. Ela exige que nos dispamos de nossos juízos imaginários, de nossos preconceitos, enfim do nosso papel de julgador, um verdadeiro exercício de renúncia ao poder. Essa qualidade de escuta engajada e mobilizada, que também pode ser reconhecida como uma escuta ética, possibilita escutar o outro em seu mundo e transforma os profissionais dispostos a correr esse risco.
Na medicina do trabalho, esse tipo de escuta se revela ainda mais necessária. Compreender o trabalho, despidos da nossa posição de poder conferido pelo reconhecimento social como especialistas, possibilita escutar genuinamente o trabalhador e a trabalhadora em seus mundos. E escutá-los em seus mundos parte da premissa que aquela pessoa trabalhadora, com toda sua singularidade, inserida em seu contexto social, possui uma história diferente da nossa, a qual se traduz em diferentes estratégias de vida, visões e expectativas sobre as representações do adoecer.
escutar exige receptividade, mas é, sobretudo,
uma atividade.” (O Palhaço e o Psicanalista –
Christian Dunker e Cláudio Tebas)
(Os artigos publicados refletem a opinião do autor)
Dra Daniele Maciel – Médica do Trabalho. Membro da Diretoria de Comunicação da APMT