Entrevista realizada pela APMT ao médico e psicanalista Dr. Christophe Dejours durante o 10º Colóquio Internacional de Psicodinâmica e Psicopatologia do Trabalho realizado entre 21 a 23 de agosto de 2019.
Tradução: Dilu Aldrighi
O trabalhador mascara seu sofrimento no trabalho e, constantemente, ultrapassa seus limites, adaptando-se ou sendo levado ao adoecimento. Apesar de existirem alguns canais, no trabalho, para a busca de ajuda, na maioria das vezes, estes são pouco eficientes. Existem algumas estratégias, para se abrir as portas das instituições para um diálogo?
É uma questão difícil que você levanta, no contexto atual. Também não era fácil, há alguns anos atrás, nem no Brasil e nem na França. No entanto, de uma forma geral, há dez, vinte , trinta anos, atrás, existia uma verdadeira preocupação com a questão da saúde, no trabalho. A saúde no trabalho era importante. Então, chegava-se a encontrar facilmente espaços, talvez conflitantes. Mas, sempre existe…. É preciso se negociar, sempre…. Bem… Mas, há lugares, onde é muito difícil. Antes, havia lugares muito fechados. Outros eram mais abertos, mas, no conjunto, o espaço para poder discutir estas questões, era, apesar de tudo, mais aberto. E, depois, as questões de saúde mental, de comportamento, de condutas humanas, de depressão, de não engajamento, do adoecimento da população, no trabalho, tudo isso preocupava os dirigentes e, notadamente, era mais fácil…Paradoxalmente, era mais fácil de discutir quando se tinha, à frente da organização do trabalho, os engenheiros. De forma maciça, eram engenheiros que dirigiam a organização do trabalho. Hoje é mais difícil porque é a vez dos gestores, o que significa que os engenheiros perderam o poder, não só na indústria, mas em todo o lugar. Não são mais eles que decidem. Nos hospitais, não são mais os médicos: – são os gestores administrativos; na Justiça, juízes que atualmente chefiam, não mais desempenham o papel de juízes tornaram-se gestores, formados para a gestão, formados para o “new public management”, quer dizer que se tornaram, de fato, gestores. Então, o espaço se reduziu. Então, como a gente faz? Há uma estratégia? Não, não posso dizer que haja uma estratégia. Posso, apenas, dizer que há um princípio no qual a gente pode se apoiar. De uma maneira geral, caso queiram que os médicos do trabalho progridam na Clínica e no manejo do sofrimento no trabalho, é preciso, em primeiro lugar, que apreendam a refletir sobre si próprios. É o princípio da empresa. É uma das possibilidades de também se considerar que estas pessoas que são tão duras, hoje, conosco, tão duras com os assalariados, mas, também, tão duras com os médicos, tão duras com os psicólogos, tão duras com todas as pessoas, de todas as profissões, são os gestores. Mas, estes gestores são seres humanos, como vocês e eu. E, a gestão não funciona. É parecido. Há um real que não funciona. E eles sofrem, constantemente, transformações em seus trabalhos. Mudam-se os programas informáticos, o tempo todo. Fazem-se reformas de estrutura, o que significa, para eles, uma massa de trabalho, monumental. Depois, quando eles dão as ordens, não funciona. Então, eles são obrigados, todo o tempo, a pressionar, a sancionar, tudo isso… A gestão é um trabalho. Então, o princípio é levá-los a falar das dificuldades que eles próprios encontram, no trabalho. Tentar atingir a parte humana que há neles, aquela que também sofre na relação com o trabalho. No momento em que se fala do sofrimento no trabalho, quando se é gestor, toca-se a humanidade comum que existe entre eles, entre os patrões, entre os subordinados, os secretários, os assalariados, os médicos….porque todos, quando trabalham, encontram como primeira dificuldade: – o real. Não funciona. Isso não funciona, mas isso deveria funcionar. Eu deveria atingir minhas metas, mas não consigo. Mesmo os gestores não atingem suas metas. E, então, são insultados, assediados, pela sua própria hierarquia. Logo, se você toca na questão do sofrimento, com relação ao trabalho, notadamente da relação ao real do trabalho dos gestores, é possível abrir uma porta para dizer: -“Mas, claro, com os outros acontece o mesmo!” Eles também têm um sofrimento como o de vocês. Vocês não acham que seria, talvez, uma boa ideia que se fizessem algumas investigações, enquetes, não somente, individualmente, como se faz, habitualmente, em medicina do trabalho. Talvez seja importante compreender o que se passa nesta parte da empresa, onde a coisa vai particularmente mal. Não seria bom que se procedesse à uma investigação, trazendo um clínico do trabalho, especializado, de fora? Não vocês mesmos, porque vocês são médicos do trabalho dentro da empresa e é complicado fazer-se tudo. Mas, vocês terão a cooperação de um consultor externo, formado em Psicodinâmica do trabalho, para investigarem porque as pessoas estão tão mal, no serviço.
É isso. Então, vocês veem, que a questão humana comum é a questão do sofrimento no trabalho e eventualmente, as condições que permitem transformar este sofrimento em prazer ou, ao contrário, que impedem esta transformação e que fazem com que o sofrimento se acumule, se acumule, se acumule até, finalmente, levar ao adoecimento. Porque as defesas aguentam um certo tempo, durante um certo tempo e depois, quando a coisa aumenta, aumenta, as defesas transbordam e as pessoas adoecem. É isso.