Outubro Rosa: Deveríamos Ir Além do Câncer de Mama?


Todo mês de outubro, somos bombardeados com informações sobre o câncer de mama. Inúmeras campanhas corporativas abordam o tema. Fala-se muito sobre prevenção, diagnóstico precoce, epidemiologia, número de diagnósticos e óbitos anuais, recomendações habituais para o autoexame, explicações sobre a metodologia do autoexame, além de orientações para a realização de mamografias, ultrassonografias e até ressonâncias de mama. 


Campanhas como essas são extremamente importantes para a conscientização, mas, como ginecologista e obstetra, percebo que várias informações são transmitidas corretamente, enquanto outras nem tanto. A meu ver, a abordagem é parcial, focando apenas no câncer de mama, sem mencionar as diversas outras condições relacionadas à saúde da mulher tão importantes quanto o conhecimento sobre esse tumor.
 
A campanha Outubro Rosa, criada na década de 1990 pela Fundação Susan G. Komen for the Cure e pela American Cancer Society nos Estados Unidos, se espalhou pelo mundo, incluindo o Brasil. No Brasil, a campanha começou tímida no final da década de 90, quando em 2002 o Obelisco do Ibirapuera foi iluminado de rosa. A partir de 2008, a sociedade civil e entidades médicas iniciaram apoio mais intenso a eventos relacionados ao tema. Nesses últimos anos, a divulgação massiva de informações sobre o câncer de mama alcançou toda a sociedade. Hoje, todos sabem que essa doença é altamente prevalente entre mulheres, que o diagnóstico precoce pode salvar vidas e que a mamografia é o exame de escolha para o diagnóstico. Além disso, há uma conscientização de que, ao perceber qualquer alteração no autoexame, é fundamental procurar um ginecologista ou mastologista. O câncer de mama definitivamente deixou de ser uma questão restrita aos compêndios médicos!
 
Entretanto, existe uma sobrevalorização nas diversas campanhas corporativas em relação ao “autoexame das mamas”. Atualmente, sabemos que tumores diagnosticados e tratados precocemente podem levar a uma sobrevida superior a 95%. Para isso, o diagnóstico de lesões não palpáveis é essencial, e o autoexame não é eficaz nesse aspecto. O exame que realmente salva vidas é a mamografia anual a partir dos 40 anos. É importante que as mulheres se conheçam por meio do autoexame, mas ele não deve ser o único método de detecção. Outro aspecto frequentemente abordado são as medidas preventivas. Infelizmente, ainda não existem medidas preventivas específicas para o câncer de mama. Exercício físico, alimentação saudável, não fumar e não beber são orientações gerais para a prevenção de todos os tipos de câncer, inclusive o de mama.
 
Diante de um mês já consolidado para as mulheres, inúmeras outras condições femininas poderiam ser amplamente divulgadas para melhorar a qualidade de vida da nossa população de trabalhadoras, como o câncer de colo de útero. Esta é uma doença ainda prevalente, assim como a menopausa, uma condição que ganha importância com o envelhecimento da população, e a contracepção, considerando que nosso país ainda é campeão em gravidezes indesejadas, especialmente entre adolescentes!
 
O câncer de colo de útero tem como principal etiologia o HPV (Vírus do Papiloma Humano), e sua história natural requer de 10 a 15 anos entre a infecção inicial e o desenvolvimento de lesões tumorais avançadas. Portanto, o diagnóstico precoce é ideal para reduzir sua prevalência, o que é o correto! No entanto, na prática, ainda vemos mulheres falecendo por essa doença devido às limitações no acesso ao exame preventivo: a citologia oncótica cérvico-vaginal, o famoso Papanicolau! Já temos vacinas contra o HPV disponíveis, mas ainda são muito pouco divulgadas. Uma novidade nesse tema é a introdução de um novo teste molecular para identificação do DNA-HPV, que deverá ser realizado a cada 5 anos. Esse teste está sendo implementado no SUS, com previsão de atingir cobertura nacional até dezembro de 2026. O Papanicolau não será extinto, mas será realizado apenas em situações específicas no novo fluxo de rastreamento do câncer de colo de útero. Essa mudança exigirá uma ampla divulgação para toda a população, inclusive para nossas trabalhadoras, reforçando nosso papel de tutoria em saúde nas organizações!
 
No que diz respeito à contracepção, há uma ampla variedade de métodos disponíveis, mas muitas opções ainda são pouco divulgadas junto à população feminina. A laqueadura tubária, por exemplo, é frequentemente considerada como o “melhor” método contraceptivo devido à sua baixa “taxa de falha”, mas isso é um equívoco. O que define a eficácia de um método contraceptivo é o índice de Pearl (número de gravidezes indesejadas por 100 mulheres utilizando o método de forma típica/ano). A laqueadura tubária tem um índice de Pearl de 0,5, enquanto o DIU hormonal com levonorgestrel tem um índice de 0,2 e o implante hormonal com etonogestrel, apenas 0,05! Laqueadura é segura, mas existem outros métodos menos arriscados que um procedimento cirúrgico e com menor índice de Pearl! Outra novidade são as atualizações dos critérios para contracepção cirúrgica com a nova lei 14.443/2022, que substituiu os critérios da lei 9.263/1996. Agora, não é mais necessário o consentimento do parceiro, a idade mínima da mulher foi reduzida de 25 para 21 anos e é permitido realizar a laqueadura até no pós-parto vaginal imediato por acesso periumbilical, o que antes era proibido! Além disso, uma “lenda” sobre contracepção é a suposta “alta taxa de falha” dos DIUs de cobre, que têm um índice de Pearl de 0,8! Eles são considerados métodos seguros, o que explica sua disponibilização no SUS. 

O implante de etonogestrel também está sendo recentemente disponibilizado pelo SUS, sendo um método seguro com duração de 3 anos, aplicação simples no braço da mulher com anestesia local, proporcionando conforto ao cessar a menstruação e reduzir sintomas pré-menstruais. Os DIUs hormonais também estão sendo distribuídos pelo SUS, cessa a menstruação e, recentemente, tiveram seu período de proteção contraceptiva ampliado de 5 para 8 anos pelo FDA americano, ratificado pela ANVISA no Brasil. Injeções mensais, trimestrais e contraceptivos orais têm ampla disponibilidade de marcas, doses e regimes de administração, proporcionando melhor individualização do método para cada mulher. O anel vaginal com combinação de etonogestrel-estradiol e os adesivos com norelgestromina-etinilestradiol também são opções pouco divulgadas e eficientes na contracepção, embora impliquem algum custo por não estarem disponíveis no SUS.
 
Outra dimensão frequentemente negligenciada na saúde feminina é o climatério. A menopausa é definida como a última menstruação, enquanto o climatério é o período ao redor dessa última menstruação. A síndrome climatérica (ondas de calor, irritabilidade, distúrbios do sono, dores articulares, lapsos de memória, sintomas depressivos, redução da libido, ressecamento vaginal, alopecia e até incontinência urinária) é uma expressão da falência ovariana fisiológica, encerrando o período reprodutivo feminino. Cerca de 80% das mulheres apresentarão algum sintoma com impacto significativo na qualidade de vida. A terapia de reposição hormonal (TRH) é uma opção cientificamente segura para atenuar essa sintomatologia quando realizada corretamente, com grande impacto na qualidade de vida durante essa fase de transição. Uma situação pouco comentada é que a velocidade de perda de massa óssea após a menopausa pode aumentar em até 10 vezes! A TRH pode evitar essa perda acelerada, prevenindo a osteoporose. Além disso, quando bem indicada e acompanhada, não representa riscos significativos de câncer de mama e ainda permite algum grau de proteção cardiovascular! As opções de marcas, doses e vias de administração são inúmeras, assim como na contracepção, permitindo a individualização da TRH de acordo com o perfil de cada mulher.
 
E respondendo à pergunta inicial: sim! Devemos aproveitar a consolidação de outubro como o mês dedicado à saúde da mulher, não apenas para conscientizar sobre o câncer de mama, mas também para abordar outras questões importantes da saúde feminina, como a menopausa, a contracepção e o câncer de colo de útero. Essas iniciativas, sem dúvida, contribuirão para melhorar a qualidade de vida das nossas trabalhadoras e, consequentemente, aumentar a produtividade no ambiente de trabalho!
 
 
Guilhermo Justino Mundim
CRM-MG 40.974
Mestre em Patologia Clínica (Obstetrícia)/UFTM
Médico do Trabalho – RQE 34.873
Ginecologista e Obstetra – RQE 34.874
 
Referências:
1-Lei 9.263/96.
2-Lei 14.443/22.
3-Manual de contracepção da FEBRASGO – 2015.
4-Contracepção reversível de longa ação da FEBRASGO – 2022.
5- Urban LA, Chala LF, Paula IB, Bauab SP, Schaefer MB, Oliveira AL, et al. Recomendações para rastreamento de câncer de mama no Brasil do Colégio Brasileiro de Radiologia, da Sociedade Brasileira de Mastologia e da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. Femina. 2023;51(7):390-9.
6-Oliveira et al. Brazilian Guideline on Menopausal Cardiovascular Health. Arq Bras Cardiol. 2024;121(7):e20240478.
 

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