Pandemia e o Trabalho Materno: Momentos Caóticos e Incríveis Memórias!

Pandemia e o Trabalho Materno: Momentos Caóticos e Incríveis Memórias!

Não é nenhuma novidade que a pandemia transformou a forma de vivermos e trabalharmos. Também não é nenhuma novidade que mulheres que são mães e trabalham fora de casa, tem uma sobrecarga de tarefas.  O que se tornou novidade, foi ter que, da noite para o dia, colocar todas essas atividades, que já causavam sobrecarga sendo realizadas separadamente, todas juntas dentro de casa, 24 horas por dia, 7 dias por semana, durante o isolamento provocado pela pandemia de COVID-19. E que novidade! Como organizar isso de uma hora para outra? Como dar atenção para os filhos, programar atividades (dentro de casa) para eles, acompanhar as atividades das aulas on-line, alimentá-los, atender a todas as reuniões por vídeo-chamadas, produzir os relatórios, analisar os indicadores, e ainda organizar a casa no final de tudo?

Não à toa, um estudo realizado por uma ONG norte-americana – ONG Kaiser Family Foundation – apontou que as mulheres se sentem emocionalmente mais abaladas do que os homens. Os dados mostraram que 53% das mulheres que responderam à pesquisa declararam sentir estresse e preocupação neste período. Já entre os homens, esse índice é de 37%. E esses dados foram atribuídos ao fato delas precisarem conciliar filhos, trabalho exaustivo e atividades domésticas, o que fazem com que elas acabem sofrendo mais.

Porém, esses já eram dados conhecidos que só foram exacerbados e agravados com a pandemia e o isolamento. O IBGE, em 2019, apontava que o trabalho doméstico e, consequentemente, a dupla jornada recaiam principalmente sobre as mulheres da família. O levantamento constatou que, em média, as mulheres dedicavam 18,5 horas semanais aos afazeres domésticos e cuidados de pessoas como crianças e idosos. A média dos homens era praticamente a metade – apenas 10,3 horas semanais gastas nessas atividades. 

E eu, que escrevo pra vocês neste momento, sou uma dessas mães que tentou se adaptar neste período. TENTOU. Acho pouco provável dizer que tenhamos nos adaptado. Acredito mais dizer que tenhamos sobrevivido. Aprendemos muita coisa, superamos limites, descobrimos uma força interior que nunca imaginávamos que teríamos e uma capacidade de nos desdobrarmos em multitarefas incrível. Mas também nos descobrimos frágeis, falíveis, impotentes, vulneráveis.

Inúmeras foram as vezes que meu filho de 3 anos hoje, 01 ano e 2 meses quando iniciou a pandemia, participou das reuniões por vídeo-chamadas. Hoje ele chama meu chefe de “tio”. Chefe esse, aliás, que me entrevistou por vídeo-chamada (sim, eu troquei de emprego no meio da pandemia) enquanto meu filho escalava minha perna até conseguir alcançar a câmera para dar tchau para ele. Foi assim que a relação de trabalho começou. Eu gelei por um segundo, mas fiquei aliviada em ouvir do outro lado: “Fique tranquila! Ele faz parte da sua vida e pra nós isso é normal.” Coisa rara, eu sei. Mas a pandemia também modificou esse comportamento. Hoje muitas empresas passaram a entender muito mais a presença dos filhos na vida de seus funcionários. Quantos CEO’s não fizeram reuniões com seus filhos no colo? O quanto nossos filhos não passaram a fazer parte realmente do nosso dia a dia nas empresas. Ponto positivo para a pandemia.

Mas o fato dele ter 1 ano e 2 meses quando o isolamento começou, teve um fator complicador: ele ainda não andava. Estava naquela fase em que se apoiava em tudo para andar. E aí eu pergunto pra você, leitor: como participar de uma reunião on-line, com uma criança se apoiando em tudo para andar? Quantos não foram os momentos em que o objeto escolhido para se apoiar não era o mais adequado. Sabe aquela coisa de colocar só uma blusa bonita pra reunião online e ficar confortavelmente com a calça do pijama? Eu não podia: a qualquer momento eu levantava e saia correndo. E mesmo tendo total apoio e compreensão por parte do meu empregador, é claro que gerava um grande impacto no meu trabalho: foco e atenção divididos, interrupções de conversas e raciocínios, quebra de continuidade e muitas vezes nem conseguia retornar.

E assim como eu, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) nos aponta que mães e/ou cuidadoras principal de crianças de até 12 anos de idade, ao serem questionadas sobre como acreditam que este fator incide no desempenho do seu trabalho, mostraram como o advento do contexto pandemia fez dobrar a proporção de mulheres que se viram prejudicadas no trabalho, tendo que exercer as tarefas de cuidado. Além disso, 92% delas responderam que “aumentou” ou “aumentou muito” o cuidado com os filhos e filhas, 85% a rotina de cuidado da casa, 74% as atividades escolares, 59% as atividades do negócio e para 64% das mães, “diminuiu” ou “diminui muito” o tempo dedicado ao lazer e ao autocuidado.

E aqui temos que fazer uma pausa para reflexão: o sucesso profissional passou a ser antagonizado significativamente pelo cuidado com os filhos. E é muito preocupante que a família seja vista como causadora do prejuízo do desempenho profissional. Precisamos refletir o quanto o trabalho impacta nas nossas relações pessoais e familiares e não o inverso. Querem um exemplo? Antes da pandemia, minha maior preocupação era perder os primeiros passos do meu filho. Trabalhando em horário comercial, meu filho fica na escola em período integral, e eu pensava todo santo dia: “e se ele começar a andar na escola? E se eu perder os primeiros passos?” Eu sofria porque não queria perder esse marco do desenvolvimento dele. E aí chegou a pandemia. E em meio a esse caos adaptativo entre trabalho e cuidados da casa e do filho, ele que lá em cima no texto, se apoiava para andar e me fazia sair correndo das reuniões, deu seus primeiros passos em casa. Sim, eu estava lá! Graças a pandemia! Senão eu realmente teria perdido por causa do trabalho. Isso trouxe nova adaptação, e mais corridas, porque agora ele andava por toda a casa e escalava os móveis. Mas o fato de estar lá naquele momento, me fez questionar: o que realmente vale a pena? Sou defensora fervorosa do trabalho. Entendo que ele dignifica o homem e que ele é agente determinante de saúde, mas também de doença. E é esse limite, saúde-doença, que a pandemia, com todo o caos do home office, veio nos escancarar. E o que me fez ter saúde?  Ver ele também começar a falar. E poder brincar, pintar, desenhar, rir, rolar no chão, dar comida, fazer dormir, dar banho e estar totalmente presente na primeira infância dele como nunca imaginei. Momentos caóticos, mas incríveis memórias!

Autora: Dra. Fernanda Netto – Médica do Trabalho do SESI, Diretora Técnica da Azevedo Netto Consultoria, Coordenadora Adjunta do Curso de Pós Graduação em Medicina do Trabalho da Santa Casa de São Paulo e, claro, mãe do Bernardo.

FONTE: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9180-pesquisa-mensal-de-emprego.html?=&t=o-que-e

 

ONU Mulheres avalia desafio das mães empreendedoras na pandemia Covid-19 e economia no país – CMEC Mulher

http//biblioteca.ibge.gov.br/visualização/livros/liv101743_informativo.pdf (ibge.gov.br)

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