A Associação Paulista de Medicina do Trabalho (APMT), no cumprimento de sua missão institucional de promover a saúde e a inclusão no ambiente laboral, apresenta o presente posicionamento referente à Lei nº 15.176/2025, que altera e amplia as disposições da Lei nº 14.705/2023. Essa legislação trata do atendimento a pessoas com Síndrome de Fibromialgia, Síndrome de Fadiga Crônica, Síndrome Complexa de Dor Regional e outras condições correlatas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Considerando o impacto dessas doenças sobre a funcionalidade, a participação social e a inserção no mercado de trabalho, este documento busca esclarecer interpretações, contribuir para o debate técnico e orientar a aplicação adequada da lei, à luz dos princípios da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015).
CONTEXTUALIZAÇÃO
A Lei nº 15.176/2025 altera a Lei nº 14.705/2023, que estabelece diretrizes para o atendimento prestado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) a pessoas com Síndrome de Fibromialgia ou Fadiga Crônica, Síndrome Complexa de Dor Regional ou outras doenças correlatas. Essa nova lei regulamenta critérios específicos inerentes ao Direito à Saúde, previsto na Lei nº 13.146/2015 — a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) da Pessoa com Deficiência (PcD).
Ressalta-se que o Art. 1º-A, inciso V, da Lei nº 15.176/2025, cita “o estímulo à inserção da pessoa acometida pelas doenças de que trata o art. 1º desta Lei no mercado de trabalho”.
No que tange a essa citação, é importante, para fins da Saúde do Trabalhador, atentar para o disposto nos demais artigos, sobretudo no Art. 1º-C, que prevê:
“A equiparação da pessoa acometida pelas doenças de que trata o art. 1º desta Lei à pessoa com deficiência fica condicionada à realização de avaliação biopsicossocial por equipe multiprofissional e interdisciplinar que considere os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo, os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais, a limitação no desempenho de atividades e a restrição de participação na sociedade, nos termos do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência).”
O Art. 1º-C, portanto, restringe-se aos direitos à saúde prestados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) às pessoas com as referidas doenças, não abrangendo diretamente a regulamentação de outros direitos da Pessoa com Deficiência, como o Direito ao Trabalho previsto na “Lei de Cotas” (Lei nº 8.213/1991).
O Art. 1º-A, inciso V, ao citar “o estímulo à inserção da pessoa acometida pelas doenças de que trata o art. 1º desta Lei no mercado de trabalho”, remete-nos à LBI, que, ao trazer uma abordagem mais ampla da deficiência, vai além do enfoque exclusivamente clínico, incorporando fatores ambientais, sociais e pessoais. O Médico do Trabalho é uma figura central nesse processo. Sua atuação é fundamental para identificar as limitações funcionais e recomendar, quando necessário, adaptações razoáveis no ambiente laboral, contribuindo para a promoção da inclusão sem comprometer a equidade no uso de políticas públicas.
Dessa forma, o dispositivo reforça a importância da adoção da metodologia de avaliação para inclusão da Pessoa com Deficiência pelo modelo biopsicossocial, notadamente previsto na Lei Brasileira de Inclusão (LBI) da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), para pessoas com fibromialgia. Isso ocorre porque a caracterização da pessoa com fibromialgia e doenças correlatas não dispensa a utilização do instrumento do modelo biopsicossocial, o Índice de Funcionalidade Brasileiro Modificado (IFBrM). Esse índice considera impedimentos de longo prazo que, em interação com barreiras do meio, limitem, de forma significativa e contínua, a participação social em igualdade de condições com as demais pessoas.
A APMT alinha-se aos pareceres da Sociedade Brasileira de Reumatologia e da Associação Brasileira de Medicina Física e Reabilitação, quando abordam que:
- A fibromialgia, embora seja uma condição crônica, real e muitas vezes incapacitante em momentos específicos, exige um acompanhamento e manejo multidisciplinar. Ela não se caracteriza por apresentar danos estruturais permanentes, não está associada a lesões corporais físicas, psíquicas ou perda funcional objetiva e apresenta evolução com flutuação dos sintomas.
- A equiparação indiscriminada da fibromialgia à deficiência pode gerar distorções na aplicação das políticas públicas de inclusão, sobrecarregar os sistemas de avaliação e pôr em risco a legitimidade das ações afirmativas voltadas às Pessoas com Deficiência (PcD), que são enquadradas por critérios técnicos e reconhecidas como PcD por especialistas na área.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Reforçamos que a Lei nº 15.176/2025 não determina o enquadramento automático da fibromialgia como deficiência, sendo indispensável a avaliação biopsicossocial por equipe multiprofissional e interdisciplinar. É essencial que as interpretações sejam baseadas em evidências técnicas e legais, evitando distorções que possam comprometer a correta aplicação das políticas públicas.
Destacamos que a presente lei não possui escopo para a regulamentação de direitos da Pessoa com Deficiência, incluindo o Direito ao Trabalho previsto na “Lei de Cotas”. No entanto, poderá servir como marco orientador para que determinados casos das doenças nela mencionadas sejam avaliados segundo critérios técnicos e legais adequados.
Recomendamos cautela na divulgação de informações por veículos de comunicação e demais canais de divulgação a fim de evitar interpretações equivocadas ou distorcidas do conteúdo da lei. Ressaltando que é de fundamental importância atentar que a Lei entrará em vigor em 180 dias a partir de sua publicação, em 23 de julho de 2025. Isso permitirá que mais discussões sejam realizadas para o esclarecimento de dúvidas, bem como para a orientação de condutas para sua aplicação correta e responsável.
EQUIPE TÉCNICA
Edenilza Campos de Assis e Mendes
Flavia Souza e Silva de Almeida
Mario Bonciani
Octavio Augusto Camilo de Oliveira