O setembro verde: Prevenção e Rastreamento de câncer de intestino
José Domingos Neto
Médico do Trabalho – Hospital Alemão Oswaldo Cruz
Eduardo Myung
Médico do Trabalho – Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil (CASSI)
A Associação Paulista de Medicina do Trabalho apoia a campanha “Setembro Verde”, que visa chamar a atenção dos médicos e da população sobre a importância da prevenção e rastreamento do câncer de intestino que, no Brasil, é a uma causa importante de morte por câncer entre as mulheres e os homens.
O câncer de cólon e reto (CCR) é uma neoplasia de relevância epidemiológica no Brasil. O Instituto Nacional do Câncer (INCA) em sua publicação “Estimativa 2018 – Incidência de Câncer no Brasil” estimou para 2018 a incidência ajustada de novos casos de câncer de cólon e reto em homens (20,03 / 100 mil habitantes) e em mulheres (18,40 / 100 mil habitantes), representando 8,1% dos novos casos de câncer e quarto lugar de incidência após câncer de pele, de próstata e de pulmão1.
A associação entre certos tipos de alimentos ou suplementos alimentares com o aumento ou redução do risco de câncer colorretal é explorado por revisões sistemáticas de estudos observacionais. O conjunto de evidências apresentado a seguir não promove uma certeza absoluta de nexo de causalidade entre alimentos e risco maior ou menor de CCR, porém apresentam um grau de suspeição respeitável e suficiente para promover mudanças razoáveis de hábitos de vida. Estudos experimentais prospectivos em população randomizada podem promover maior certeza de quais tipos de alimentos ofertam redução efetiva do risco de câncer. Na prática clínica, consideramos razoável a orientação de um hábito alimentar que se aproxime da Dieta do Mediterrâneo associado à redução da frequência de consumo de carne vermelha ou processada.
Evidências científicas agrupadas por revisões sistemáticas observaram ausência de efeito no risco de câncer com a ingesta de diversas categorias de alimentos ou suplementos: Gorduras de qualquer tipo2 (saturadas, poli ou monoinsaturadas) ou ácidos graxos2, selênio3, flavonóides4, carotenóides5, café6. Uma revisão sistemática de 2012 agrupou evidências de 11 estudos de coorte, não encontrando associação de ingesta de carboidratos ou dietas com alta carga glicêmica com câncer colorretal7.
Evidências agrupadas por revisões sistemáticas sugerem redução de risco de CCR associado à ingesta de fibras8,9, grãos integrais10, nozes11, frutas10,12, vegetais10,13, laticínios10, soja e seus derivados incluindo suplementação de isoflavona14 cálcio15, zinco16. Esses achados são consistentes com outra revisão de estudos que avaliam a redução de risco de CCR com a Dieta do Mediterrâneo, esta rica em frutas, vegetais e grãos integrais17. Quanto ao cálcio, as evidências sugerem benefício, porém foram consideradas inconclusivas devido à baixa qualidade metodológica.
Uma associação de aumento de risco de CCR está associada a ingesta frequente de carne vermelha e embutidos10,18,19. Uma associação significante com CCR é sustentada na avaliação de risco com subtipos de carne vermelha22. Revisão de estudos observacionais prospectivos em vegetarianos não observou benefício significante na redução de risco para tipos específicos de câncer, porém houve redução em torno de 8% para câncer de qualquer tipo21.
Quanto a outros hábitos de vida e comorbidades, o aumento do risco para CCR é associado ao tabagismo22,23, obesidade26, diabetes25, estresse ocupacional26, esteatose hepática27. Depressão é associada a aumento de risco para câncer em geral, porém não foi encontrada associação específica com CCR28. O nexo de causalidade desses fatores de risco será melhor compreendido através de estudos experimentais que mensurem redução do risco de CCR através do controle experimental do fator de risco. Considerando os efeitos sinérgicos dessas comorbidades com diversas outras doenças potencialmente incapacitantes, é razoável a implementação de medidas de controle desses fatores de risco como promoção de exercício29,30, alimentação saudável31, tratamento de tabagismo32, rastreamento e tratamento de diabetes33 e de depressão34.
Quanto ao rastreamento de câncer colorretal, o nível de evidência científica acerca da eficácia do rastreamento na prevenção e redução da mortalidade é alto35-37.
A professora Angelita Habr-Gama, professora titular de cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Cirurgiã no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, esclareceu a estratificação de risco dos pacientes para fins de rastreamento de câncer colorretal (CCR)37:
- População de baixo risco: Pacientes com idade superior a 50 anos e sem outros fatores de risco para CCR.
- População de risco moderado: Pacientes com história familiar de CCR em um ou mais parentes de primeiro grau, história pessoal de pólipo maior do que um centímetro ou múltiplos pólipos de qualquer tamanho e os indivíduos com antecedente pessoal de CCR tratado com intenção curativa.
- População de alto risco: Indivíduos com história familiar de CCR hereditário na forma de PAF (polipose adenomatosa familiar) ou HNPCC (câncer colorretal hereditário sem polipose), ou com diagnóstico de doença inflamatória intestinal na forma da pancolite ou colite esquerda.
Para população de risco baixo ou intermediário, o uso de exame de sangue oculto nas fezes anual ou colonoscopia periódica para adultos maiores de 50 anos é recomendável. No caso de tomada de decisão pelo sangue oculto nas fezes, a colonoscopia será necessária caso haja resultado positivo no exame citado. Quando indicada a colonoscopia que necessita de polipectomia endoscópica gera redução de incidência do CCR de até 90% e de morte de até 100%37.
Dessa forma, a atuação em saúde pelo médico do trabalho sobre os fatores de risco não-ocupacionais, principalmente, transformando o exame periódico em uma oportunidade de saúde determina a importância da especialidade para a proposta do “setembro verde”. Assim, toda e qualquer campanha como o “Setembro verde” que fomenta a ampliação do escopo de atuação do médico do trabalho é válida. Contudo, diante das oportunidades estabelecidas inclusive de ampliação do campo de atuação cabe ao médico do trabalho compreender as ferramentas para enfrentamento desses desafios e permitir assim a sua pertinente inclusão nessa perspectiva de atuação que poderíamos chamar de “Ano Inteiro Verde”