Recente matéria publicada em 02 de janeiro de 2017 no Jornal da USP com o título “Fungos em recicláveis colocam em risco saúde de catadores”, chama a atenção para a detecção de quantidades significativas destes bioagentes no ambiente de trabalho dos catadores, sendo o Aspergillus spp.o presente em maior quantidade. Fomos conversar com o Dr. Marcelo Pustiglione – médico do Trabalho da Divisão Técnica de Vigilância Sanitária do Trabalho/CCD-CVS da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Veja a entrevista.
Dr. Pustiglione, por que essa atividade laboral pode colocar em risco o trabalhador?
No cumprimento de sua atividade laboral cotidiana, os catadores de recicláveis precisam revirar manualmente sacos contendo plásticos, papelões, latas de alumínio e vidros e separar esses materiais por tipo viabilizando sua comercialização. Durante esta manipulação, os trabalhadores podem se expor a agentes de risco com potencial de afetar sua saúde e integridade física. Além dos materiais perfurocortantes, produtos químicos e substâncias irritantes, certamente os agentes biológicos – responsáveis por doenças infecciosas, são os mais temidos.
Quais são os principais agentes de risco que os catadores de lixo reciclado estão expostos?
Representam agentes de risco de natureza biológica os vírus, bactérias, parasitas, toxinas e príons. Considerando o momento da exposição, os vírus não representam risco significativo, uma vez que resistem poucos minutos fora das células do indivíduo que os hospeda. Os demais, porém, podem resistir durante muitas horas e até dias, como a bactéria causadora da tuberculose (o bacilo de Koch), a neurotoxina do Clostridium tetani, presente em elementos perfurocortantes contaminados com esterco animal e os fungos de uma maneira geral. Particularmente, neste último caso, se o meio estiver quente e úmido.
É sabido que os fungos podem parasitar a pele, provocando as popularmente chamadas “micoses”, mas também podem parasitar mucosas e órgãos internos, como o pulmão. Além disso, as toxinas dos fungos, as micotoxinas, presentes em alimentos “fungados” (como o milho, amendoim e algumas frutas, por exemplo), por sua vez são responsáveis por doenças crônicas degenerativas e até câncer. A propósito, também não podemos desconsiderar a possibilidade de exposição a príons presentes em restos deteriorados de carne e responsáveis por doenças degenerativas do sistema nervoso.
Seria esta razão pela qual devemos “limpar” o lixo que descartamos para a reciclagem?
Essa é a recomendação, e é certo também que o lixo reciclável chega a estes “catadores organizados” com pequena possibilidade de conter restos alimentares. Porém, não podemos esquecer que existe um grupo de catadores que retira material reciclável do lixo comum nas ruas e nos “lixões”. E eles também são trabalhadores! E devem ser protegidos! Esta colocação é importante para sustentar as medidas preventivas que julgamos absolutamente necessárias para reduzir o risco de adoecimento e ferimentos em catadores.
O doutor poderia citar quais são as principais medidas para evitar os riscos do contágio?
A primeira mais importante dentre as medidas é a Administrativa, e a responsabilidade incide em três grupos: os gestores públicos que devem implantar e implementar políticas efetivas de coleta, de tratamento e de reciclagem de lixo. Para esta última devem ser disponibilizados recipientes de coleta próprios e exclusivos e a população deve ser orientada para realizar pré-lavagem no lixo reciclável. O trabalhador, que deve ser proibido de se alimentar, fumar ou beber no ambiente de trabalho. E por último, o responsável pelos trabalhadores e pelo ambiente laboral, que deve providenciar higienização diária e descontaminação ambiental sistemática e periódica, com atenção especial a focos de “mofo”, na maior parte das vezes devidos ao Aspergillus spp.
Além das medidas administrativas, alguma outra seria recomendada?
As Medidas de Engenharia. E podemos considerar três medidas básicas: 1 – a separação das áreas “suja” (da chegada do material até sua lavagem) e “limpa” (da lavagem até a seleção); 2 – sistema de ventilação eficiente (seja natural ou artificial ou ambas); e 3 – possibilidade de incidência de sol no ambiente de trabalho.
E os EPI’S, de que forma podem ajudar a minimizar os riscos de contaminação para este trabalhador?
Justamente! A adoção dos Equipamentos de Proteção Individual seria a terceira orientação: as Medidas de Proteção. Estas medidas devem começar sempre pela capacitação dos trabalhadores quanto aos agentes de risco e as doenças e agravos deles decorrentes quando as medidas de prevenção e proteção não são adotadas. O empregador ou responsável pelos trabalhadores devem fornecer equipamentos de proteção individual, como: máscara de proteção respiratória, óculos de proteção, gorro, luvas de proteção mecânica, uniforme com mangas e pernas compridas e botas, todos de uso obrigatório pelos trabalhadores das “áreas sujas”; os das “áreas limpas” não necessitam usar obrigatoriamente gorro, óculos e máscara.
Lembro ainda que todos os trabalhadores devem ser capacitados para higienizar as mãos com água e sabão sempre que deixarem seu posto de trabalho nos horários de repouso e refeições. No final do expediente devem banhar-se e trocar de roupa. É do empregador a responsabilidade de higienizar a roupa de trabalho. Por fim, deve ser disponibilizada imunização para todos os trabalhadores, em especial a vacina contra o tétano.
O Dr. Pustiglione termina sua entrevista lembrando que “sustentar e agregar valor e qualidade às medidas referidas faz-se necessária a elaboração, implantação e desenvolvimento de programas de prevenção de riscos ambientais (PPRA) e de programas de controle médico de saúde ocupacional (PCMSO)”. E faz um alerta: “importante salientar que os “catadores autônomos” das ruas e dos lixões devem ser capacitados, direcionados e absorvidos pelas organizações regularmente estabelecidas, caso contrário, as medidas propostas serão inviáveis quanto sua implantação”.
Marcelo Pustiglione
Médico do Trabalho da Divisão Técnica de Vigilância Sanitária do Trabalho/CCD-CVS da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo; Professor colaborador e preceptor da Disciplina de Medicina do Trabalho do Instituto Oscar Freire da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.