Terceirização: Um olhar pelo viés da saúde e segurança do trabalho

A recente aprovação da Lei no. 13.429 (31/3/2017), que permite a “terceirização” irrestrita, tanto das atividades meio (que já estavam aprovadas), como das atividades-fim de cada empresa ou organização, sem salvaguardas adequadas e proteção dos trabalhadores, abriu flancos de enorme vulnerabilidade, em termos de condições de trabalho, com repercussões sobre a saúde e segurança dos trabalhadores terceirizados. Para falar de um tema tão importante, não poderíamos deixar de consultar o Professor René Mendes, em uma entrevista exclusiva para esta edição do News APMT.

PROFESSOR, O SENHOR ENTENDE QUE A TERCEIRIZAÇÃO DE MÃO DE OBRA, DE ALGUMA FORMA, PODERÁ PROMOVER MUDANÇAS NO MERCADO DE TRABALHO?
Os que se esforçam para defender a terceirização irrestrita e sem salvaguardas protetoras para os trabalhadores, argumentam que aumentará o mercado de trabalho – que vive um momento dramático em nosso País – pois propiciaria a suposta abertura de diferentes modelos de vínculos, de relações de trabalho, de duração dos contratos de trabalho, de duração das jornadas de trabalho, incentivando também aquilo que tem sido denominado de “pejotização” dos trabalhadores, ou seja, sua migração da condições de pessoa física (PF) para a de “pessoa jurídica” (PJ). Mas não é isso que vimos acontecer em outros Países.

QUAL FOI A EXPERIÊNCIA DA TERCEIRIZAÇÃO EM OUTROS PAÍSES? O SENHOR PODERIA EXEMPLIFICAR?
A terceirização irrestrita introduzida em alguns países, como a Espanha e Portugal – por exemplo -, nos últimos 20 anos, no cômputo geral, não melhorou o mercado de trabalho. Houve sim, uma intensa movimentação, migração de uma condição para a outra, ou seja, aumentou a rotatividade, aumentou a instabilidade, e pioraram as condições de trabalho com perda importante de ganhos, e de direitos historicamente conquistados, como, por exemplo, a duração da jornada de trabalho, o direito ao repouso remunerado, o direito a férias, entre outros.

EXISTE ALGUM ESTUDO NO BRASIL QUE COMPROVE QUE A TERCEIRIZAÇÃO TRAZ PERDAS PARA O TRABALHADOR?
Sim! Estudos realizados pelo DIEESE mostram que o salário de trabalhadores terceirizados é 24% menor do que o dos empregados formais. Da mesma fonte, sabe-se que terceirizados trabalham três horas a mais, por semana, em média, do que os contratados diretamente. No nosso entendimento, alcança-se o sonho perverso do capitalismo, que é o de conseguir que as pessoas trabalhem mais e ganhem menos. Ou que ganhem menos e trabalhem mais, e com menos direitos.
Porém, cabe também refletir, sobre como a mudança das relações de trabalho e das condições de trabalho impacta na saúde dos trabalhadores.

COMO A TERCEIRIZAÇÃO PODERÁ INFLUENCIAR NA SEGURANÇA DOS TRABALHADORES?
Todas as estatísticas disponíveis, no Brasil e no Exterior, mostram que a ocorrência de acidentes do trabalho e doenças relacionadas ao trabalho é mais elevada entre os trabalhadores terceirizados do que entre os não terceirizados, trabalhando nas mesmas organizações e na mesma época.  Tanto é que tem sido denunciado que 85% dos acidentes graves e fatais que ocorreram na Petrobras (anos recentes), foram com trabalhadores de empresas terceirizadas. Como bem questiona o Prof. Ricardo Antunes, da UNICAMP, em matéria que escreveu para Le Monde Diplomatique – Brasil, “se os empregos terceirizados são assim tão bons, por que é exatamente nesse setor que os acidentes, os assédios, as lesões e as mortes no trabalho são muito mais intensas? ”
Em resumo, podemos dizer que a terceirização e a precarização do trabalho no Brasil tem sido caracterizadas por condições gerais piores, seja no transporte, moradia (alojamento), alimentação, instalações sanitárias e água potável (quantidade, qualidade, temperatura). Maiores exigências físicas e carga de trabalho (remuneração por “produtividade”…), além de exigência de metas abusivas. Redução ou ausência de pausas intra-laborais (repouso), de pausas para satisfazer necessidades fisiológicas, redução do intervalo para refeições, redução ou eliminação do repouso remunerado; idem, férias etc. Jornadas excessivas de trabalho, tanto em ritmo como duração. Falta de respeito, assédio moral e maus tratos. Por fim, perigos e riscos inaceitáveis para a saúde e segurança do trabalhador.

PROFESSOR, QUAIS SERIAM AS CONSEQUÊNCIAS NO DIA A DIA DO TRABALHADOR COM A TERCEIRIZAÇÃO? 
Os efeitos são conhecidos e estão presentes para o trabalhador terceirizado. São elas: cansaço e fadiga; exaustão muscular/metabólica/desidratação; dor e doenças osteomusculares (LER/DORT); morte por excesso de trabalho; envelhecimento precoce; e claro, mais acidentes do trabalho. Entre os efeitos da falta de reconhecimento, do assédio moral (agravado pela terceirização e precarização) e dos maus tratos, destaco: transtornos de humor: depressão, depressão recorrente, transtorno bipolar do humor; transtornos reativos ao estresse/de adaptação: reação aguda ao estresse, transtorno de estresse pós-traumático, transtorno de adaptação; transtornos ansiosos: ansiedade, síndrome do pânico, agorafobia, ansiedade generalizada; transtornos do ciclo vigília-sono; Síndrome da fadiga crônica (“neurastenia”); “Síndrome de Burnout” e o suicídio.

QUAIS SÃO SUAS PALAVRAS FINAIS SOBRE ESSE IMPORTANTE ASSUNTO PARA OS PROFISSIONAIS ENVOLVIDOS COM A SAÚDE E SEGURANÇA NO TRABALHO?
Concluo convidando os que se dedicam à SST, que pensem e repensem sobre as grandes perdas que fazem parte destes “pacotes” de atentados contra os trabalhadores e trabalhadoras, representados pela aprovação da terceirização irrestrita; pela reforma previdenciária, e pela reforma trabalhista. Mais do que “reformas”, constituem atentados e retrocessos lamentáveis.

PROFESSOR RENÉ MENDES – Médico (1971), Especialista em Saúde Pública (1974) e em Medicina do Trabalho (1977). Mestre (1975), Doutor (1978) e Livre-Docente em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo. Professor da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP (1977-1991); Professor Titular de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG (1991- 2007) e “Senior Associate”, da Escola de Saúde Pública da Johns Hopkins University (1983-2014). Presidente da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT) (2001-2004; 2004-2007); Diretor de Relações Internacionais da ANAMT (2013-2016), é “Honorary Member” da International Commission of Occupational Health (ICOH). Organizador e Autor Principal dos livros “Medicina do Trabalho – Doenças Profissionais” (1980); “Patologia do Trabalho” (edições em 1995, 2003 e 2013). Trabalhou na Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde, em Washington – DC, como “Regional Adviser in Occupational Health” (1982-1984), e na Organização Internacional do Trabalho (OIT), como “Consejero Regional en Seguridad y Salud en el Trabajo” para América Latina e Caribe (1987-1989). Aposentado, atualmente é Editor-Chefe da Revista Brasileira de Medicina do Trabalho (RBMT), órgão oficial da ANAMT.

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