Colegas da Medicina do Trabalho, profissionais de saúde e sociedade,
No Dia Mundial do Trabalho Decente, data instituída pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1999, somos convidados a refletir sobre um conceito que deveria ser a base de toda relação laboral, mas que, infelizmente, ainda é uma meta a ser alcançada para milhões de brasileiros.
Sob a liderança de Juan Somavia, a OIT cunhou o termo “Trabalho Decente” com um objetivo claro e humanista: promover um trabalho produtivo, seguro, livre e digno para todos. Este conceito surge como uma resposta urgente aos desafios impostos pela globalização, pelo desemprego e pelas crescentes desigualdades, reafirmando o trabalho como eixo central do desenvolvimento humano e social.
Os quatro pilares que sustentam essa ideia são igualmente importantes:
- Oportunidades de Trabalho: Geração de empregos produtivos com remuneração justa.
- Direitos no Trabalho: Respeito à liberdade sindical, à negociação coletiva e combate firme a toda forma de discriminação e ao trabalho análogo à escravidão.
- Proteção Social: Segurança contra riscos sociais e acesso a sistemas de saúde e seguridade.
- Diálogo Social: Participação efetiva de governos, empregadores e trabalhadores nas decisões que impactam o mundo do trabalho.
No Brasil, essa agenda foi incorporada às políticas públicas em 2003, por meio da Agenda Nacional de Trabalho Decente, que priorizou a geração de emprego, a erradicação do trabalho infantil e escravo e o fortalecimento do diálogo social.
Contudo, o Panorama Atual é Desafiador
Apesar dos avanços conceituais e legais, a realidade nos mostra que há um abismo considerável entre a teoria e a prática. A cultura da precarização, infelizmente, ainda está profundamente enraizada em setores de nossa economia. A condição social de vulnerabilidade de uma grande parcela da população frequentemente a obriga a se submeter a situações de trabalho indignas.
Um exemplo recente e alarmante foi a demissão de Auditores Fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) do cargo de coordenadores do Grupo Especial de Fiscalização Móvel para o Combate ao Trabalho Escravo. O episódio, que ocorreu em meio a pressões relacionadas à não inclusão de uma grande empresa na lista suja do trabalho escravo, levanta sérias questões sobre a autonomia e a efetividade de nossos mecanismos de fiscalização. Sejam quais forem as justificativas apresentadas, o fato, em sua essência, é desconcertante e enfraquece a luta contra uma chaga social inaceitável.
Neste contexto, a pejotização em massa surge como uma das grandes armadilhas para a consolidação do trabalho decente no Brasil. Mascarando a relação de emprego, ela nega ao trabalhador seus direitos mais básicos, como férias, 13º salário, FGTS e acesso à Previdência Social, criando um cenário de insegurança jurídica e fragilidade social que corrói a dignidade.
O Papel Estratégico do Médico do Trabalho
É neste cenário complexo que nossa atuação como Médicos do Trabalho ganha uma dimensão estratégica e fundamental. Não somos meros avaliadores de aptidão; somos guardiões da saúde do trabalhador em sua concepção mais ampla, definida pela OMS como um estado de completo bem-estar físico, mental e social.
Nossa atuação vai além do reconhecimento de agentes físicos, químicos e biológicos. Cabe a nós:
- Identificar e alertar para os riscos psicossociais gerados por ambientes de trabalho precarizados, assediadores ou que impõem jornadas extenuantes.
- Ser um agente ativo na promoção de ambientes de trabalho que valorizem a dignidade humana e a saúde integral.
- Denunciar, por meio dos canais competentes, situações que configurem violação de direitos fundamentais, colocando-se como um elo crucial na cadeia de proteção ao trabalhador.
- Promover a saúde de forma educativa, conscientizando empregadores e colaboradores sobre a importância do trabalho decente como alicerce para uma sociedade mais justa e saudável.
Trabalho decente não é um favor ou um privilégio; é o maior sinal de respeito aos direitos humanos e a base para uma nação verdademente desenvolvida. Como médicos e médicas do trabalho, temos a responsabilidade e a honra de estar na linha de frente dessa luta. Que neste dia, e em todos os outros, possamos reafirmar nosso compromisso com a saúde, a segurança e, acima de tudo, a dignidade de cada trabalhador e trabalhadora deste país.
Associação Paulista de Medicina do Trabalho (APMT/SP)
Comprometida com a Saúde e a Dignidade no Trabalho.