“Amamentar e trabalhar – Para dar certo o compromisso é de todos!”

Pediatra há 36 anos e homeopata há 21, o Dr. Moises Chencinski é um dos maiores especialistas e grande referência quando o assunto é aleitamento materno. Trabalhando com as redes sociais e internet há 11 anos, criou o site www.doutormoises.com.br com o objetivo de divulgar seus textos e atualizar as informações de forma ética, simples, e de fácil acesso para quem busca informações confiáveis. Participou recentemente da nossa Reunião Científica sobre Gestantes e Lactantes, e se surpreendeu positivamente em perceber que os médicos do trabalho estão empenhados em oferecer orientações seguras para as trabalhadoras gestantes e lactantes nas empresas onde atuam. Um assunto tão importante e que merece uma entrevista exclusiva para a nossa News APMT.

Em seu blog, o senhor realiza constantes enquetes com suas seguidoras. Conte-nos um pouco desta experiência.
Quando você começa a trabalhar com grupos de mães nas redes sociais perceberá uma diferença entre o que é dito nas aulas, nas discussões médicas, e o que, de fato, essas mães sentem. Elas podem dissimular uma resposta durante a consulta médica, para não serem julgadas, repreendidas. Mas, elas buscam apoio, acolhimento e, assim, se abrem, de verdade, reconhecendo seus problemas com outras mulheres, possibilitando a troca de experiências, compartilham a dor e a alegria de ser o que são: mulheres, mães, cidadãs, trabalhadoras.

Há 5 anos participo de grupos de mães e tenho páginas (fanpages) na internet Eu apoio leite materno – sobre aleitamento materno, e Doutor Moises – sobre pediatria em geral. Tenho um grupo que se chama FILHOS: CADÊ O MANUAL DE INSTRUÇÕES, que conta hoje com quase 15.000 participantes. São mães de várias localidades do Brasil e exterior que me fazem perguntas sobre situações com seus filhos e outras crianças da família.

Assim, para ouvir essas mães e até para ter dados objetivos sobre essa realidade, faço enquetes para saber qual situação delas sobre diversos assuntos (pré-natal, aleitamento materno, introdução alimentar) e, recentemente, sobre as questões voltadas à mãe trabalhadora.

Em estudo recente, da UNICAMP, publicado na Revista Paulista de Pediatria (2016) a pesquisadora e incentivadora de grupo de mães (AMS), Simone De Carvalho, teve o objetivo de “analisar a percepção das orientações pediátricas pelas mães na ocasião do atendimento em consultórios particulares, para conhecer de que maneira assimilam, processam e usam as informações recebidas de seu pediatra“.  Nesse estudo, “a coleta de dados foi feita por questionário enviado às participantes. Participaram da pesquisa 200 mães de uma comunidade virtual nas redes sociais” e “as análises foram respaldadas na perspectiva qualitativa de pesquisa, sob a ótica da teoria das representações sociais“.

Não há como negar a importância das redes sociais e dos grupos de mães (ou outros grupos de interesse comum constituídos de forma virtual), nas pesquisas que pretendemos fazer.

Numa das enquetes, o senhor perguntou para trabalhadoras que retornavam após a licença maternidade, que apontassem as maiores dificuldades na volta ao trabalho, no que diz respeito à amamentação. Quais foram as principais respostas?
Essa enquete durou 6 horas e tive 167 respostas. As maiores dificuldades apontadas pelas mães na volta ao trabalho foram, a licença-maternidade menor do que 6 meses (38,9%), falta de uma sala ou local apropriado no trabalho para retirada de leite (21,5%), falta de uma creche na empresa para deixar o bebê e amamentar lá (8,4%).

Toda mulher em fase de amamentação tem o direito de continuar amamentando durante sua jornada de trabalho. O senhor poderia nos explicar, resumidamente, quais seriam eles?
Esses direitos podem ser encontrados na Cartilha para a mulher Trabalhadora que Amamenta/Edição 2015 do Ministério da Saúde.

CRECHE OU BERÇÁRIO: os estabelecimentos em que trabalham pelo menos 30 mulheres com mais de 16 anos de idade deverão ter local apropriado onde seja permitido às empregadas deixar, sob vigilância e assistência, os seus filhos durante a amamentação. Ficam as empresas e os empregadores autorizados a adotar o sistema de reembolso-creche, em substituição à exigência de creche no local de trabalho.
A exigência também pode ser suprida por meio de creches distritais mantidas por convênios com a empresa ou com outras entidades públicas e privadas ou a cargo do SESI, do SESC e das entidades sindicais.

PAUSAS PARA AMAMENTAR: para amamentar o filho (ou retirar seu leite para armazenar e deixar para seu filho quando ela estiver ausente de casa), a mulher tem direito a dois descansos especiais, de meia hora cada um, durante a jornada de trabalho, até o 6º mês de vida do bebê, além dos intervalos normais para repouso e alimentação. A mulher pode tentar um acordo com o seu chefe para flexibilizar o horário; assim, ela poderia juntar os dois intervalos de meia hora e entrar ou sair uma hora mais cedo ou mais tarde do trabalho. Quando a saúde do filho exigir, o período de 6 meses com as pausas para amamentar poderá ser ampliado, a critério do médico.

LICENÇA-MATERNIDADE: a Constituição de 1988 garante para todas as mulheres trabalhadoras sob o regime CLT o direito a 120 dias de licença. No caso de a mulher trabalhar em Empresa Cidadã, ela tem o direito a 180 dias de licença. Em casos de necessidade, os períodos de licença antes e depois do parto poderão ser ampliados em mais duas semanas cada um, mediante apresentação de atestado médico.

SALA DE APOIO À AMAMENTAÇÃO: é um local simples, dentro da empresa, destinado às mulheres trabalhadoras que retornam da licença-maternidade e desejam continuar amamentando seus filhos. Nessa sala, a mulher pode retirar e armazenar o seu leite em condições higiênico-sanitárias adequadas durante a jornada de trabalho.

LICENÇA-PATERNIDADE: todos os pais trabalhadores têm direito a cinco dias de licença, a contar do dia do nascimento do filho. No caso de o homem trabalhar em Empresa Cidadã, ele tem o direito a 20 dias de licença.

Quais medidas os médicos do trabalho podem adotar para que as lactantes e gestantes se sintam confortáveis nos ambientes de trabalho? E o que as empresas podem contribuir para que seja de maneira tranquila e responsável?
Há estudos que mostram um maior índice de satisfação de funcionárias que trabalham em empresas que favorecem e facilitam a manutenção do aleitamento materno. Criança amamentada, comprovadamente, adoece menos. Assim, o índice de absenteísmo da mãe/mulher trabalhadora também se reduz. O respeito às pausas para amamentação até o 6º mês de uma hora (ou 2 períodos de 30 minutos), a sala de apoio à amamentação, a creche na empresa são atitudes que favorecem as mulheres e seus filhos (lactantes e lactentes). A própria informação e conscientização dos outros funcionários para que se facilitem essas propostas e para que as ações da mulher não sejam encaradas como “abandono do local de trabalho para trabalhar menos”, podem estabelecer um melhor ambiente a essas mulheres.

Toda empresa deve ter um lactário? Como deve ser construído? 
Não seria um lactário e sim uma sala de apoio à amamentação. As recomendações estão no Guia para implantação de salas de apoio à amamentação para a mulher trabalhadora / Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária de 2015. O próprio guia, infelizmente, traz a seguinte observação: “Este guia não deve ser adotado como regulamento, portanto, o seu cumprimento não é de caráter compulsório pelo setor regulado. Cada empresa deverá avaliar o conteúdo do guia e verificar sua aplicabilidade. A Vigilância Sanitária tampouco deverá exigir o cumprimento do conteúdo do guia por parte das empresas. ”

Além de apresentar, mais uma vez, os direitos da mulher trabalhadora, técnicas para coleta, armazenamento, transporte e utilização do leite materno, o guia revela informações sobre a infraestrutura necessária para a implantação de uma sala de apoio à amamentação em empresas. É importante que haja um ambiente tranquilo e confortável, com ventilação e iluminação, preferencialmente naturais, ou com climatização adequada que permita a acomodação da nutriz, sem interrupções e interferências externas e que dê privacidade à mulher para favorecer a descida e a coleta do leite.

Recomenda-se que haja poltronas ou cadeiras impermeáveis individualizadas (uma para cada 400 trabalhadoras em idade fértil), podendo ser separadas por divisórias
ou cortinas. De acordo com o guia, “podem ser utilizados alguns parâmetros definidos na RDC nº 171, de 4 de setembro de 2006 para a “sala para ordenha” (retirada
de leite do peito):
• dimensionamento de 1,5 m2 por cadeira de coleta;
• instalação de um ponto de água fria e lavatório, para atender aos cuidados de higiene das mãos e dos seios na coleta;
• freezer ou refrigerador com congelador e termômetro, para monitoramento diário da temperatura, para guardar exclusivamente o leite materno.

A conclusão do guia adverte que:
Para que as mulheres trabalhadoras consigam seguir a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde de amamentar por 2 anos ou mais, sendo exclusivamente no peito nos 6 primeiros meses, é fundamental que após a licença-maternidade elas tenham o apoio dos empregadores. Uma forma de ajudar, é disponibilizar salas de apoio à amamentação, a fim de prover um ambiente acolhedor e adequado à coleta e ao armazenamento do leite, para que ele seja oferecido posteriormente ao seu filho com segurança e qualidade. ”

Dr. Moises Chencinski – CRM: 36.349
Médico pediatra, homeopata.
Presidente do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade de Pediatria de São Paulo (2016 / 2019). Criador e incentivador do movimento “Eu apoio Leite Materno.”

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