A Síndrome do Esgotamento Profissional (SEP) ou Síndrome de Burnout (SB)

Sou um psiquiatra com formação também em saúde ocupacional e relatarei o que vi enquanto atuava em consultórios, hospitais gerais e em uma unidade de pronto atendimento durante os últimos 20 meses de Covid-19, no que tange ao SEP/SB.

Você está no seu trabalho, empresa ou consultório e surge um trabalhador ou um paciente relatando:
Dores musculares ou de cabeça.
Problemas gastrointestinais
Isolamento social.
Cansaço excessivo, físico e mental.
Alterações no apetite e no sono.
Desânimo, apatia, falta de atenção e memória.
Sentimentos de fracasso e insegurança e um negativismo ímpar.
Dificuldades de concentração.
Medos (Antes da pandemia era de entrar na empresa, durante a pandemia de acessar as reuniões).

Em linhas gerais poderia ser transtorno da ansiedade generalizada (TAG) ou um transtorno do pânico (TP) ou depressão ansiosa… Na edição da revista da ANAMT de junho de 2019 há um artigo falando das principais diferenças entre a SB, o estresse (ansiedade) e a depressão.

Era comum essas queixas virem de professores, policiais, teleatendimento, bancários, financeiros, mas temos novos participantes: funcionários da área da saúde.

Há cobrança, sobrecarga de trabalho, falta de recursos, absenteísmo, afastamentos e falecimentos de colegas, amigos e familiares.

Antes do covid-19 era comum ter relatos como:

“Dr. eu não sei o que acontece, eu acordo, saio de casa, chego na empresa e não consigo entrar”…, agora temos: “eu acordo e fico protelando a hora de “logar”.

Se tornou usual ouvir “Dr. eu ”logo às 8 e vou reto até às 21 horas sem almoço ou jantar. Estou mais produtivo, mas o meu superior não sai do meu pé”.

“Dr, antes eu demorava 5 horas no trânsito, hoje durmo mais, mas ando até mais cansado”.

“A minha casa não estava preparada para ser um escritório, não tenho mais a minha privacidade e cansei da minha casa”.

Antes do “home office”, havia uma rotina vinda da infância: acordar, escovar os dentes, se arrumar e sair para o trabalho. Também havia o chegar ao emprego, o café na padaria e as conversas com as pessoas do trajeto. Essas “pequenas coisas” eram elementos de contraponto aos estresses do trabalho e as pessoas ficaram sem essa “válvula de escape”.

Na área da saúde, os profissionais também desenvolveram adequações para se proteger das já desgastantes situações cotidianas, mas de um momento para outro, aumentaram exponencialmente.

Passou-se a ouvir:

“Dr. não sei o que está acontecendo, eu estou com o paciente e começo a chorar, tenho que me esconder no banheiro” ou “Tem um “remedinho” que o Dr. pode me passar?”. Além disso, é dentro do contexto hospitalar ainda que tornou-se comum saber das mortes e internações de familiares pelos corredores ou até no refeitório. Nós da área da saúde estamos expostos a uma tempestade de emoções, anseios, angústias e aflições de forma que os desgastes físicos e emocionais são diuturnos.

Como lidar com esses colegas?

Sugiro que os ouça.

Se o paciente for um da linha de frente, que está lá se expondo, lembre-se que ele deixou a família em casa, ouça-o e o acolha.

Tão importante quanto o psicofármaco é o acolhimento.

Ao lidar com esse ou essa colega perceberá que três questões se repetem:
A- Sensação de esgotamento.
B- Aumento da distância mental do trabalho ou sentimentos de negativismo (similar ao “chegar na porta do emprego e não conseguir entrar”), cinismo e sarcasmos.
C- Emerge a desrealização (“Não é para isso que eu estudei”).

Quanto àqueles que perdemos, qualquer morte é uma tragédia, seja por eventos naturais ou não e que esses números de óbitos, nos leva a um campo de batalha. A própria ideia de um hospital de campanha para maximizar o atendimento remete a um contexto bélico.

Essa pandemia trará muitos casos de transtorno de estresse pós-traumático. Vivemos com pressões externas constantes e vamos nos adaptando até que os mecanismos de compensação não suportem e suplantem a capacidade do organismo.

Essas pressões, são os estresses, são as forças aplicadas sobre um material (ou indivíduo), e chamamos de resiliência a capacidade desses de resistir a tal pressão. O estresse vem de fora, a resiliência é de dentro para fora.

Enquanto que essas alterações não atingem o limite são passageiras e ou elásticas, mas quando ultrapassam, podem ser irreparáveis ou plásticas.
A SB acomete o indivíduo e o limita de modo amplo, é um processo lento e gradual, mas após instalado não é um manejo fácil.

Não conhecer os próprios limites leva a maior exposição.

E vi, durante esses meses, pacientes aumentarem o consumo de etílicos e de outras substâncias psicoativas, lícitas ou não.

Acompanhei casais se unindo e se separando, pessoas voltando para perto das suas famílias, um êxodo, invertendo o fluxo campo cidade.

Não sou lúgubre, mas temo que em mais uns meses teremos o tempo suficiente para ver vários evoluem para quadros depressivos ou ansiosos e muitos para o transtorno de estresse pós-traumático.

Essa história está começando.

Dr José Paulo Chiozzini Pinotti

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