A APMT visando conhecer as práticas do dia a dia do Médico do Trabalho para que possa debater temas adequados às suas realidades se propôs a levantar pesquisas com alguns temas específicos. Uma delas, realizada pelo Presidente da Regional de Campinas da APMT, Dr Luis Fernando Gagliardi, abordou o tema sobre Saúde Mental e trabalho. O questionário elaborado foi enviado para grupos de whatsApp, constituídos por médicos do trabalho, e de livre e espontânea vontade os integrantes dos grupos poderiam respondê-lo.
Na pesquisa foram feitos questionamentos sobre a prática da inclusão ou não dos fatores psicossociais e organizacionais relacionados ao trabalho no PCMSO, e como eles foram levantados. Além de verificar se o médico do trabalho já se deparou com casos envolvendo saúde mental que poderiam estar relacionados ao trabalho e como foi sua percepção e conduta perante o caso.
Participaram da pesquisa 310 médicos do trabalho da pesquisa de 20 estados, sendo que a maioria estava ligada a Indústria (101) e Prestação de Serviços (64). A maioria ligado a grandes empresas, 25,81% com mais de 5000 trabalhadores, e apenas 16,45% com até 499 trabalhadores, no Estado de São Paulo (49%).
Nos resultados verificamos que apenas 29,68% consideravam os fatores psicossociais no PCMSO. Destes somente em metade dos casos foram feitos levantamentos específicos para tal, sendo que apenas 19,57% foi realizado Avaliação Ergonômica por profissional habilitado e a maioria considerou apenas a aplicação de questionário para os trabalhadores (56,52%), sendo que 25% utilizou o SRQ20 e 20% utilizou questionário próprio da empresa.
Nos casos em que os fatores não foram considerados no PCMSO foi referido pela falta de levantamento específico (70,32%).
Metade dos participantes referiram já terem caso de saúde mental com B91 e não concordavam, justificado pela maioria (60,13%) pela existência de outros fatores que contribuíram com a doença, e somente 15,19% dos casos foram descaracterizados por haver avaliação detalhada que não evidenciou o risco.
Houve 84,84% que comentaram já ter se deparado com caso de transtorno mental em que houve suspeita de relação com o trabalho, no entanto somente 35,74% sugeriram a emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT). A justificativa para não orientação de emissão de CAT foi por haver outros fatores que contribuíram com a doença (53,33%) e por haver antecedente de transtorno mental (17,43%), apenas 7,18% justificou pela existência de avaliação detalhada que excluía os fatores ocupacionais. Vale a pena ressaltar que houveram respostas como a “empresa não vê com bons olhos a emissão de CAT para transtornos mentais ou não a faz para estes casos” (13,82%) e “insegurança pelo desconhecimento do tema” (5,13%).
Ponderando sobre os resultados apresentados vemos que este é ainda um tema pouco considerado nas avaliações das condições de trabalho e que estas, quando realizadas, na maioria das vezes não são feitos por profissionais habilitados, muitos utilizam questionários que a princípio teriam outro fim, como por exemplo o SRQ20 que avalia a suspeição diagnóstica dos transtornos mentais comuns ou por questionários não validados. Foi verificado que é muito frequente a existência de casos relacionados à saúde mental, pois grande parte já se defrontou com estes casos e suspeitaram da relação com o trabalho, no entanto, parece ainda frágil o motivo utilizado para a descaracterização dos casos, pois somente a minoria considera aspectos do levantamento das condições de trabalho para esta exclusão. Neste cabe uma reflexão: porque a existência de transtorno mental prévio ou a existência de outros fatores contributivos são considerados para descaracterização destes casos, se sabemos da origem multifatorial destes transtornos, e que eles são classificados como Schilling III, trabalho como provocador de distúrbio latente ou agravador de doença já estabelecida ou pré-existente? Esta mesma reflexão se aplica a não orientação da emissão da CAT, ressaltando que ainda há casos em que a autonomia do Médico do Trabalho parece ser tolhida por algumas empresas (13,82%), o que, certamente dificulta a atuação necessária que o profissional Médico deve ter diante destas questões. Diante disso se faz necessária a adoção de medidas que permitam a utilização de critérios baseados em dados técnicos e científicos, para o melhor e correto exercício na Medicina do Trabalho, por parte dos seus profissionais.
Concluímos que é necessário considerar os fatores psicossociais e organizacionais envolvidos no trabalho no PCMSO, sendo recomendada uma avaliação ergonômica com profissional habilitado, como o ergonomista, que abordará todos os domínios da ergonomia: física, cognitiva e organizacional. Para estas avaliações o profissional poderá utilizar ferramentas e questionários que se apliquem a realidade do local avaliado, um exemplo de ferramenta indicadora de fatores psicossociais desencadeantes de estresse no trabalho é o Health Safety Executive – Indicator Tool (HSE-IT), o qual foi validado para o português conduzido por Lucca et al.
Flávia Almeida
Vice-presidente APMT