Saúde Mental, Trabalho e Pandemia – mudança constante, desafios e necessidade de proteção do trabalhador

O que cada um de nós trabalhadores vive, pensa e elabora neste momento após 3 meses de decretada uma pandemia por coronavírus é singular, ímpar e único.
As emoções, seus desdobramentos físicos e psíquicos associados a uma nova organização do seu trabalho, as mudanças e as novas experiências trazem uma série de dúvidas, adaptações e alguns cuidados para a saúde, neste momento específico e deixa em aberto como serão os desdobramentos no término desta pandemia.

Só nesta perspectiva encontra-se a idéia de temporalidade, a ressignificação da vida e a compreensão da existência humana, os valores das pessoas e, consequentemente, dos trabalhadores, as diferentes formas que o trabalho possa se apresentar e as interrelações que serão estabelecidas na vida e no mundo do trabalho a partir deste novo momento histórico.
Quem sabe é este o motivo que se estabeleceu o conceito de “o novo normal” – partindo-se da ideia que a normalidade seria a forma como sobrevive-se no mundo e este conceito trás a possibilidade se tentar caracterizar o que seria a nova forma de sobrevivência da espécie humana, certamente conceito dinâmico e em construção.

Vivemos, ao vivo e a cores, a constância da transformação e somos convidados a assumir, proativamente, querendo ou não, novas dinâmicas na vida pessoal, profissional, social e individual. A vida, neste momento, não pode ou não consegue ser passiva e aí as emoções e pensamentos surgem à flor da pele.

Pensar e agir ativamente, convida a cada um a se deparar com sua própria vida e a forma que a conduz, trás o desafio de se adaptar ao novo e, para muitos, exacerba sentimentos de medo, ansiedade, angústia, impossibilidades, depressão entre outros.
Trabalho, sobrevivência, demissões, cortes salariais, homeoffice, “schooling”, afazeres, distanciamento social, isolamento familiar, necessidade de novas aprendizagens, cargas horárias sem limites precisos são novas formas de se estar no mundo hoje.
Para os médicos do trabalho, muito mais do que duplicou suas atividades. A volta aos bancos escolares clássicos se apresentou com trocas de artigos científicos e instituições orientadoras, em chats, e webnares. Recebimento de artigos científicos em profusão por redes sociais, que em questão de dias e semanas já ficam desatualizados levam a capacidade mental quase a exaustão frente ao novo des(conhecimento) científico da COVID – 19 assim como o manejo do trabalhador em campo e em home-office. Muitas varáveis a controlar são necessárias – da prevenção a riscos ocupacionais à promoção de saúde (física e saúde mental) dos trabalhadores, até orientações exigidas por todos sobre afastamento e retorno ao trabalho.

Algo inominável, ou melhor desconhecido, surge para muitos trabalhadores em campo – o medo de trabalhar e se infectar assim como contaminar seus entes queridos. Em casa, os desafios da adaptação ao trabalho (sem condições adequadas) juntamente com a família, o “schooling”, o peso dos afazeres domésticos, tão conhecidos há décadas e, invisíveis aos olhos, além de possível violência doméstica surgem de forma impactante e desorienta, num primeiro momento, o trabalhador.
Ficar em casa e com teletrabalho a vista de alguns pode ser bom, confortável e adaptável, mas os ajustes individuais e familiares são enormes e as novas interrelações com este campo de trabalho mostraram-se muito complexas e difíceis.
O trabalho em campo também trouxe outros tipos de mudança, com chefias remotas, além da maior preocupação com a contaminação pessoal e familiar e, veladamente, em algumas circunstâncias, uma sensação de preterimento quanto aos que estão protegidos no homeoffice.
Toda esta teia complexa e imbricada de diversos fatores fortalece a ideia de um novo mundo do trabalho, novas propostas, novos desafios e nova gama de possibilidades de adoecimento a partir de um novo mundo em construção social, mas também de construção política e econômica.

O trabalho sempre foi um adjuvante importante na formação da identidade pessoal e social, reajustando, em parte a vida emocional e as interrelações humanas, dando espaço para que as emoções e sentimentos do humano se ajustem as suas diversas necessidades em sociedade. O ser humano precisa de diferentes espaços para se constituir.
Em tempos novos, de desconhecido futuro, de vivência presente das incertezas, em que aflora o sentido da vida e da morte, as inseguranças, os medos, as dúvidas, as ansiedades, as angústias exacerbam-se em muitos trabalhadores e a medicina do trabalho precisará abarcar muito além do nexo ocupacional relacional causal clássico e suas repercussões previdenciárias e sociais, mas assistir e cuidar para que o trabalhador possa ser amparado nas suas necessidades humanas e que possa trabalhar em sua plenitude máxima de capacidade física, mental e emocional.

É preciso acreditar e ter a esperança que não está sozinho, que tem seus colegas, sua chefia, todos os envolvidos com seu trabalho, mas acima de tudo, é preciso que se sinta amparado e orientado por aqueles que se preocupam genuinamente com sua existência, sua vida e sua saúde – o médico do trabalho e os diversos profissionais da Saúde do Trabalhador.

Vera Lucia Zaher-Rutherford

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